terça-feira, 2 de agosto de 2011

La culinaria y la nutrición en la expedición amazónica: un lujo


Quando cheguei naquele pedaço meio devastado da Amazônia, coberto por um céu de azul infinito e coalhado de nuvens de algodão, não tinha a menor ideia do que encontraria além de grandes bananas da terra e umas poucas castanheiras em pé.  Mas, vasculhando quintais e terrenos abandonados, nos deparamos com frutas vistosas plantadas pelos primeiros moradores, algumas hortas de fundo de quintal e uma vastidão de jardins desnudos esperando umas sementes fecundas. Pelas hortaliças que vi crescerem bem em terra adubada, regada e corrigida, percebe-se que há um certo descaso do poder público que poderia incentivar a interação da escola agrícola da região com os moradores, capacitando-os para cultivar a própria comida.

Nos mercados as hortaliças são raras, não indo além das abobrinhas, quiabos, berinjelas, batatas, tomates, repolho, alface e pimentão. Geralmente com uma qualidade bem desestimulante.  Então, o que fiz foi reunir tudo o que encontrei no quintal de um e no pomar de outro numa grande mesa. Lúcia e eu voltamos com cestas cheias. Tamarindos do seu Sinésio, carambolas da dona Edna, jambos e capim cidreira da dona Vera Lúcia, pimentas da dona Diná, cajus não sei mais de quem, folhas de bananeira, jacas e mamão verde de terreno vazio e mangas precoces (o único pé que encontramos com mangas já graúdas) na casa de uma menininha faminta.

Aliás, esta foi a situação que mais me comoveu. Já passava das três da tarde, avistamos as mangas de bom tamanho, batemos palma e uma menina de uns 7 ou 8 anos saiu à janela. Perguntamos pela mãe, disse que não estava. Será que podemos pegar manga?/ Podem entrar./ Cadê todo mundo?/  Minha mãe tá trabalhando./ Onde?/ Não sei./ Que horas ela volta?/ Não sei./ Já almoçou?/ Não!/ Não vai almoçar?/ Não sei./ Não tem comida?/ Não!/ Não tem mais ninguém em casa?/ Não./  Entramos no quintal, pulando latas de cerveja vazia e desviando de fraldas descartáveis rasgadas por cachorros e outros lixos. Um quintal enorme e fértil com mangueira saudável e produtiva,  tamarindeiro e outras espécies vivas. A menininha de rosto sujo, roupas puídas e cabelos desgrenhados juntou-se a nós e subiu na árvore como uma pequena sagui linda e esperta, chupou um tamarindo fazendo careta e ficou por ali, indefesa, sem saber a hora do almoço. Saí de lá com um aperto no peito pedindo a Ele, caso exista, que proteja a inocente que deixou duas estranhas entrarem na parte do fundo do seu quintal sem que ninguém visse.

Mas, voltando..., com estes ingredientes fiz alguns pratos um pouco inusitados, usando quase nada comprado no supermercado.  Salada de mamão verde com coentro e pimenta, jaca verde no leite de coco, tapioca recheada de banana-da-terra (banana comprida),  pão de banana com castanha, fritada de beldroega, salada de frutas com carambola, banana e jambo e, com ajuda preciosa da Lúcia e da Bárbara (doutorandas de nutrição),  suco de todo tipo: tamarindo, carambola, carambola com couve, limão com capim santo e manga verde. Os cajus vermelhos e brilhantes também enfeitaram a mesa, mas ainda estavam verdes. Se não, teriam se transformado em moquecas e outros pratos além de sucos. Não sei se consegui plantar alguma inquietação, mas as pessoas gostaram das novidades, afinal viram que não precisam depender apenas do que é vendido, que suco em pó não é a única opção de bebida e que podem fazer escambos com os vizinhos, trocar sementes e inventar com o que aquela terra produz. E isto não é pouco.

Na casa onde  ficamos, não só cozinhei algumas vezes nosso jantar mas testei algumas ideias fazendo de cobaias os companheiros de jornada (além do pessoal da nutrição da USP, também um grupo de pesquisadores de doenças tropicais). Os professores Ariel e Alejandro, do departamento de parasitologia do ICB-USP, e  Marcia Castro, de Harvard,  foram ainda me prestigiar no dia da oficina (na foto, no canto direito, Ariel em pé, Márcia de laranja).

Bem, os elogios que nos deixam felizes, é bom dividir. E o Ariel escreveu em seu blog, em  delicioso espanhol,  sobre esta expedição amazônica na cozinha e ainda mostra fotos das pessoas da casa - afinal, minha câmera é viciada quase que exclusivamente em comidas. Veja lá:
La culinaria y la nutrición en la expedición amazónica: un lujo

5 comentários:

saboracasa disse...

adorei a vossa "aventura" e fico com aperto no coração só de imaginar as infelicidades que existem no mundo. É gratificante saber que existem pessoas como voçes a ajudar as pessoas. Um bem haja para quem dedica um pouco da sua vida ao seu semelhante
Boa sorte e muitas felicidades
Bjs
PAula

Flávia disse...

Bom dia Neide!

Lendo seu texto fiquei comovida... Umas das coisas que mais me doem, que realmente me incomodam é ver uma criança com fome.
Sabemos que todo ser humano merece e deve se alimentar, mas a criança sempre me deixa mais indignada com a situação.

Concordo que existe descaso das autoridades e muito, mas gostaria mesmo que as pessoas começassem mais a ter esta consciência que você propõe, a saber que a terra quase tudo dá, e que estes frutos podem render uma ótima alimentação e fartura para as mesas.

A maioria das ajudantes que passaram lá em casa, nunca tinham ouvido falar da proteína de soja e ficavam assustadas quando eu transformava aquela "ração de cachorro" em strogonof, picadinho e molho para macarrão. Folhas da couve flor, a maioria dispensa e perde uma das melhores partes deste legume, folhas de beterraba de cenoura... Enfim as opções são muitas;

Desculpe-me pelo momento filosófico Neide, mas realmente criança com fome ainda é uma coisa que me assusta.

Bjs,

Flávia

Dricka disse...

Ai Neide, me fez chorar. Sinto-me tão impotente e ao mesmo tempo culpada de saber que nesse pais tão fértil ainda há crianças passando fome. Sei que preciso fazer algo, mas me sinto perdida sem ter noção alguma de onde começar, eu sei que ajudando aqueles que estão mais perto já é algo, mas é tão pouco, tão pouco. Me comovi muito com o seu pedido a Deus de que duvida, um pedido bom e sincero e é por pessoas como você que acredito Nele.
Bjs

Ariel disse...

Neide, obrigado pelo link e as palavras sobre o delicioso espanhol (não da para falar o mesmo do portugués ne? rs)
Os leitores talvez nao saibam, mas "conviver" com a Neide nesses dias, "desenhando" pratos, nos oferecendo para provar folhas, frutas, e outras coisas raras encontradas por aquí e por lá foi uma parte enorme da experiência amazônica.
Bjs

Neide Rigo disse...

Paula e Flavia, há muito o que fazer!

Dricka, infelizmente só pedidos não resolvem. Também me sinto impotente.

Ariel, me senti importante agora. Obrigada!

Um abraço, N