sábado, 30 de julho de 2011

Vídeo Invólucros



O video,  em stop motion, foi feito pela querida Larissa Ribeiro, sobrinha da Mara Salles, jovem talentosa que participou de quase todas as nossas  reuniões para o preparo da aula que aconteceu hoje no evento Paladar - Cozinha do Brasil, no Hyatt. O resultado ficou divertido, veja aí.  Bem, a aula foi animada, com gente sendo barrada na porta por excesso de lotação. Depois falo mais sobre o acontecimento. Amanhã a aula é externa, com um grupo que sairá pelas ruas reconhecendo espécies comestíveis, eu guiando. Espero que a colheita seja farta e que não chova.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um piquenique em Acrelândia

A ideia era de um piquenique misto, com crianças, adultos e quiçá homens. Mas em Acrelândia fazer piquenique é algo novo, todo mundo diz que vai e na hora h fica com medo de pagar mico. Prevendo um encontro vazio, Bárbara, Lúcia, Pablo e eu resolvemos chamar diretamente as crianças, já no dia. Por que não pensamos nisso antes? As poucas que chamamos compareceram sem preconceitos, novidadeiras, com garrafinha de refresco (artificial, mas acho que sairam do piquenique com outras ideias), copos de vidro, pratos, talheres, lençol.

Durante o dia passamos por uma rua com uma caramboleira carregada. Batemos palma e pedimos algumas para a dona Edna. Eram muitas, bojudas, quinadas em verde contrastando com o alaranjado brilhante, estrelas espichadas.  Pode levar todas, eu não gosto mesmo. E as meninas, perguntei. Elas também não gostam, preferem suco de saquinho (o pozinho com corantes e aromatizantes), respondeu. Pegamos uma sacolada. No caminho, uns meninos brincavam. Ofereci carambolas e eles não recusaram, quiseram mais. Aproveitei para convidá-los para o piquenique logo mais. Corram lá, tomem um banho (estavam encardidinhos), levem copos, chamem suas mães. Mas tem que pagar, né,  perguntou um.  Depois de explicar tudo como seria, sairam correndo pra pedir para as mães.

Depois, durante a pesquisa numa sorveteria, encontrei Elaine e suas duas irmãzinhas gêmeas, Bia e Clara.  Começamos a conversar e fiz o convite, só por fazer - não sei porque achei que não fosse.  E reforcei: nada de descartáveis, levem seus próprios copos, pratos e talheres. Se não tiver toalha de mesa, leve lençol mesmo. Tá bom, disse ela.

Chegou a hora, pegamos nossas cestas e fomos para o lugar escolhido, um gramado embaixo de uma mangueira. Não tinha muita comida, pois ainda tínhamos esperança que adultos aparecessem com suas próprias matulas. Qual nada! Só a Dirce e logo mais Dona Teresa. Antes disso, um grupo de jovens da quadrilha local (quadrilha de dança, que fique claro) se aproximou e um deles perguntou: você não são daqui não, né?  Embora todo mundo da cidade seja de fora, nós eramos muito mais forasteiros, pois os de fora dali não eram farofeiros afinal.  Acharam a ideia divertida. Ficaram em volta e nós, na maior saia justa,  pois se partíssimos o pão não teríamos para quem chegasse.

Dali a pouco vimos dona Teresa chegando desconfiada com um monte de menininhos, seus netos, atrás. Todos banho-tomados, com roupa boa.  E ainda uma filha adolescente com um bebê.  Tínhamos feito suco de carambola e quis oferecer, mas não tínhamos copo. Foi então que ela apresentou a sacola aliviada. -  Eu falei pros meninos, se for mentira esta coisa de levar copo e desse piquenique, vocês vão ver. Ah, de vocês se eu passar mico. O suco fez sucesso.

Logo Elaine chegou de bicicleta com uma das irmãzinhas e mais duas amigas. Trouxe pratos e um lençol (descobri há algum tempo que nem todo mundo tem toalha de mesa e a falta dela não é motivo para não se fazer piquenique), além de uma garrafa de suco de limão artificial que ela mesma tinha preparado.

Este era nosso piquenique, carambolas, suco de carambola, pão de banana da terra, manteiga, duas maçãs e quatro bananas da Dirce e a alegria de todos que estavam ali. As maçãs pareciam iguarias. Logo alguém pegou uma e eu propus dividir as duas entre todos mundo. Proposta aceita e via-se pelas carinhas que não era uma fruta do dia-a-dia, era uma fruta para dias de festa. Já as carambolas, meio azedas, eram boas para suco. Mesmo assim, Elaine, espontaneamente, passou a cortá-las em rodelas e a servir. Primeiro para os adultos ela anunciou. E ajeitou as estrelas com capricho sobre um guardanapo, tudo por conta própria. Depois convidou os meninos, que ela não conhecia, a aprender a fatias estrelas.  Em algum momento, quando falei que foi bom eles terem levado seus próprios utensílios, ela reforçou: afinal, não queremos ser poluidoras do planeta, né? Uma menina linda. Assim como as amigas que a acompanhavam.

Lúcia e Bárbara propuseram brincadeiras e aquele meninos acanhados de repente gargalhavam de soluçar. Umas graças. Ficaram tão felizes que só foram embora porque já estava escurecendo e as mães ficariam preocupadas. Mas quiseram porque quiseram marcar outro piquenique no domingo.  No mesmo horário, estávamos  lá novamente,  mas desta vez furaram. Depois nos encontramos novamente e disseram que as mães não deixaram.

Algumas coisas são certas: muitos adultos acham que piquenique é coisa infantil, mas ficam felizes como criança quando participam de um;  criança, indistintamente,  adora piqueniques e desconfio que é uma forma de incentivá-los a comer frutas e outras comidas que não comem em casa.

Vendo as fotos, você já sabe quem é quem. Clique para ver maior.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Tapioca molhada recheada de banana-da-terra. Ou quinta sem trigo 28

Na última quinta-feira que escrevi aqui, antes de ir ao Acre, mostrei a tapioca molhada no leite de coco. Então, já não preciso mais falar dela. Também não preciso mais ensinar como se faz a tapioca. Quem vem acompanhando o Come-se, acho que já sabe. De qualquer forma, já mostrei aqui e acolá (com filminho). Nos dois posts mostro como hidratar o polvilho doce (goma seca) e fazer na hora (500 g de polvilho para 250 a 300 ml de água), mas exige muito mais prática para chegar ao ponto certo. Ando preferindo hidratar o polvilho, escorrer a água e secar com pano. Não tem erro. O jeito de fazer está lá no post da tapioca molhada. 


Lá em Acrelândia, dei uma oficina para algumas merendeiras que trabalham na zona rural. Quis mostrar que com ingredientes locais era possível fazer algumas combinações interessantes. Entre as poucas coisas que mostrei nesta oficina (pão com banana-da-terra e castanhas, salada de papaia verde e vários sucos com carambola e tamarindo), resolvi de última hora incrementar aquelas tapiocas molhadas com a banana-da-terra, farta por lá, conhecida como banana comprida. E, claro, usei folhas de bananeira (sim, saí pelas ruas, carregando enormes folhas e, como diz minha amiga Lili, andar pelas ruas carregando folhas de bananeira é quase o mesmo que andar nua).  Cozinhei as bananas inteiras até que as castas partissem, esperei esfriar e cortei de comprido em quatro. Fiz as tapiocas normalmente, umedeci com o leite com coco temperado com açúcar e erva-doce e enrolei sobre o pedaço de banana. Aí foi só envolver a tapioca com a folha de bananeira limpa e sapecada, cortar as beiradas, fazer rodelinhas, colocar numa bacia forrada de folha e nhac!  Foi um sucesso, não sobrou nada. Nosso sushi tupiniquim. 


Mas descobri com o erro: para ficar mais fácil na hora de cortar, de modo que o anel de folha fique envolvendo a rodela de tapioca, o melhor é colocar a folha com as riscas perpendiculares à posição da tapioca, assim ela não se rompe. Diferente, então, do que se vê na foto. 



Leite condensado caseiro

Hoje o caderno Paladar fala do pudim de leite, liso, com furinhos, sem furinhos, com leite condensado,  com creme, só com leite. E traz o resultado de uma degustação às cegas. Confira no caderno o vencedor. Leve-se em conta que a indústria mudou nosso padrão de comparação de pudins. Ninguém mais faz pudim de leite só com leite, ovos e açúcar.

A Nana Tucci, que fez a matéria, me perguntou ontem se eu sabia fazer um leite condensado caseiro. Na teoria não é difícil descobrir a proporção de leite e açúcar do leite condensado industrial. Basta uma regrinha de três baseada nas informações nutricionais do produto. Sabendo que o açúcar não tem colesterol nem gordura e se as informações  do rótulo estão corretas, chega-se à quantidade de leite que foi condensado até chegar àquela concentração. O resto é o carboidrato. No caso do industrial os sólidos do leite são reforçados pela lactose isolada. Como não se usa lactose em casa, o negócio foi aumentar um pouco a concentração do leite integral.

A receita: nunca tinha testado, mas resolvi fazer por minha conta. Botei um pouco de bicarbonato para evitar a cristalização do açúcar e levei tudo ao fogo baixíssimo com uma placa entre a panela e a chama. Com 600 ml de leite e 100 g de açúcar, em 1 hora obtive 200 gramas de leite condensado que serviu para fazer meu pudim.

Outra forma de fazer leite condensado:  assim que me formei fui trabalhar numa empresa multinacional que concorria com a dona do leite condensado. Meu trabalho foi provar que era possível fazer um produto similar à da concorrente usando leite em pó e gordura vegetal produzida pela provocante. Claro que não é difícil, afinal o leite concentrado, ainda que em pó,  está ali, a gordura do leite foi reforçada com a tal gordura e o resto era açúcar e água. Com o produto fizemos tudo o que ensinava o livrão da concorrente.  Teve de tudo:  brigadeiros, sorvetes, recheios de bolo, batidas alcóolicas, docinhos de festa etc. Claro, a ideia não foi minha e também não fui responsável pelo malogro do projeto. Eu só executei as receitas. A gordura que eles queriam vender era mero pó de arroz no produto, mas o leite em pó, fabricado majoritariamente pela mesma empresa que fazia o leite condensado, era essencial. Então, que vantagem maria levava?

O fato é que você pode recorrer a esta receita quanto tiver leite em pó sobrando, mas por favor use manteiga e não gordura vegetal ou margarina, fica muito melhor: bata no liquidificador por 5 minutos 1 xícara de leite em pó, 1 xícara de açúcar e 3 colheres (sopa) de manteiga e 1/2 xícara de água fervente.

O pudim da foto lá em cima fiz com os 200 g do leite condensado feito no fogo - aproveitei para aromatizá-lo cozinhando junto 5 favas de amburana. Coei, esperei esfriar e bati no liquidificador com 3 ovos e 1 xícara de leite. A calda fiz com 90 g (1/2 xícara) de açúcar e 60 ml de água. Fiz como aquele outro pudim de doce de leite que postei recentemente aqui.  Rendeu um pudim pequeno.

Nota: não ando com muita sorte com máquinas fotográficas neste ano. Primeiro,  perdi uma que adorava no Senegal e, depois, a Sony que comprei em Paris enroscava o cartão de memória desde o início. Agora, quebrou de vez. Então, enquanto o novo cartão de memória não vem, vai fotos de i-phone mesmo. Para fins didáticos até que serve.  

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Coador de seringueiro

Se acomoda em qualquer recipiente, sem precisar de mariquinha, é fácil de
carregar,  fácil de trocar o pano, fácil de secar e fácil de guardar.
Trouxe uns de presente. 


Já falei aqui do café na mariquinha e do café da roça, portanto muita gente sabe que eu prefiro café de coador.

Lá em Acrelândia eu e o Pablo éramos os primeiros a levantar, mas o café ficava por minha conta. Na primeira manhã encontrei duas opções para o feito - uma cafeteira tipo francesa (da Bolívia) e uma cafeteira elétrica de mesma origem. Acabei optando pela primeira embora não tenha muita paciência para pressionar o êmbolo. Em seguida chegou a Maria com um coador de pano de design intrigante, que depois eu veria em todos as casas e mercados. Rapidinho um novo café estava pronto. Fiquei impressionada com a eficiência da baixa tecnologia.

Posso estar errada, mas nada me tira da ideia de que o apetrecho nasceu de uma necessidade num alojamento no seringal, quando um seringueiro, que se levanta ainda cansado e sonolento na alta madrugada, depois de lavar a cara no corguinho, conferir as picadas de carapanã, juntar a cuia e outras tralhas para a lida, se acocora para acender o fogo e ajeitar a lata de água para ferver, procura que procura o coador em trapos e percebe que algum desgraçado o levou do girau. A farofa de caça pra acompanhar já é pouca - mais farinha puba que bicho, o café vinha raleando dia-a-dia e agora encher a boca de pó, nem pensar, José. Pensou, pensou, campeou por uma ideia pelo entorno e lá no varal atrás da luz fraca da lamparina sombreou-se um par de meias encardidas mas limpas, ou limpas meio encardidas. Melhor uma bolha no pé roçado pela galocha de látex que a boca cheia de pó, ah, isto não. E também seria num pé só. Não teve dúvida, tirou o canivete da algibeira, meteu na meia um rasgo de cada lado e espetou nas beiradas dois pauzinhos da forquilha. Ficou feliz e sastifeito porque agora podia enrolar o coador e levar no bolso pra ninguém roubar. E assim se fez este coador de seringueiro, que julgo um bom nome.  Ou será que tudo isto aconteceu no garimpo?  

terça-feira, 26 de julho de 2011

Laranja de rua em Rio Branco


Laranja de chupar é coisa rara hoje. A maioria da produção vai para a indústria de suco, mais fácil de vender para quem não quer ter trabalho. E quem só bebe suco de caixinha chega a acreditar que aquele sabor de laranja cozida que sabe a uma certa podridão misturada ao sumo amargo da casca prensada é o que a laranja pode oferecer de melhor. Há marcas que acrescentam até umas garrafinhas (as células da laranja) para dar mais credibilidade à bebida. E dão o nome de suco caseiro.

Muita gente sequer sabe dar movimento à faca que vai serpenteando o fruto para tirar a casca em caracol. Além do gesto perdido, ninguém mais se lembra do tempo em que laranja era sobremesa, que cortava-se uma tampinha porque é no meio que as sementes se alojam, que havia brincadeiras com o desafio de conseguir tirar a casca sem quebrá-la ou chegar até o fim sem ferir a parte branca. E depois rodar a casca para que ver em que volta ela se partia - era a idade com que a criança iria se casar ou quantos filhos iria ter. Ou continuar à mesa depois do jantar quando faltava luz e espremer o sumo da casca contra a chama da vela só para ver o óleo aromático e combustível virar faíscas. E ainda se retirar da mesa sem ninguém notar e reaparecer no escuro com uma dentadura feita com o lado branco da casca, só para dar susto nos irmãos.  

E tem mais, quem comia laranja, com albedo, bagaço, suco, ela inteirinha, não tinha problemas intestinais, não. Era um tempo bom pré-Activia, afinal bastam duas laranjas depois do jantar, bem mastigadinhas, com calma, para um ritmo intestinal perfeito.  

Por tudo isto fiquei feliz de ver que tanto em Dakar, no Senegal,  quanto no Acre, laranja ainda é vendida na rua como água de coco. Com o calorão que fazia em Rio Branco, não resistimos, Lúcia e eu. Os vendedores usam uma maquina de manivela para tirar cascas fininhas - se as laranjas fossem orgânicas e decentemente lavadas,  as tiras de casca poderiam ser glaçadas ou aproveitadas para doces, mas não era o caso.  De qualquer forma, a polpa estava intacta, gelada, suculenta e doce. E o hábito é saudável.

Observe o gesto do menino: ele chupa, parece que a laranja está pouco
suculenta, então ele dá soquinhos para soltar o suco e aí sim, nhac! 

Tucupi amarelinho amarelo tartrazina





Que tucupi é amarelo todo mundo sabe,  às vezes mais desbotado, às vezes separado em fases, com o pigmento sedimentado. Para quem não sabe como é feito o tucupi, veja este que fiz aqui em casa usando mandioca mansa (aipim, macaxeira) em vez da tradicional   mandioca brava que confere um sabor mais amendoado. Mas, de uma forma ou outra, são amarelos discretos, muito diferente do que se vê atualmente no Mercado Ver-o-Peso em Belém e agora em Rio Branco, no Acre.

Para os desavisados, apenas um produto naturalmente amarelo,  ora como gema, ora como fanta laranja escandaloso. Chega a ser bonito de se ver. Quando o amarelo for uniforme, desconfie. Prefira aqueles mais esbranquiçados na parte de cima.

O primeiro que vi no Mercado Municipal de Rio Branco já desconfiei - tem corante. Do segundo em diante tinha certeza e fui logo perguntando para uma vendedora simpática que não tem a mínima noção de que esta prática seja condenável.  Com a pergunta na lata e sem condenação, "tem corante, né?, qual é o corante?", ela confirmou e, sem que eu pedisse, me mostrou o corante e ainda permitiu que eu fotografasse o rótulo. Nenhuma malícia ou desconfiança das minhas intenções. Só não me sinto mais traidora da confiança de inocentes porque acredito que falta mesmo informação sobre as consequências desta adulteração - que para muita gente trata-se apenas de um reforço poético da imagem do tucupi amarelinho.


Tanto não é visto como adulteração que no próprio comércio onde se vende o tucupi encontra-se também duas marcas de corante, contendo não só amarelo tartrazina e amarelo crepúsculo como também glicose (clique e amplie a foto de baixo), o que pode explicar o sabor meio adocicado do tacacá da dona Maria lá de Belém, considerado um dos melhores. Mas é só suposição já que ela diz que não coloca açúcar e ainda assim o tucupi que ela mesma faz é tão amarelo e docinho.

Coincidentemente saiu neste último final da semana na imprensa (a Patrycia Coelho, lá de Rio Branco) um artigo falando sobre o projeto do senador Jorge Viana (PT-AC) que determina a rotulação de alimentos com aviso sobre a presença do corante amarelo tartrazina. O alerta deve ser assim: "Este produto contém o corante tartrazina, que pode causar reações alérgicas em pessoas sensíveis".  A Anvisa já conseguiu incluir o alerta nos rótulos de medicamentos (sinceramente, pra quê xaropes e comprimidos precisam ter corantes?), mas a indústria de alimentos simplesmente inclui o aditivo na lista de ingredientes.

O que o projeto talvez não abranja são estas fabricações artesanais de farinhas e tucupis e aí reside um perigo maior porque o corante é adicionado sem nenhum critério (a indústria, não por pensar na nossa saúde, mas por uma questão de custo, deve ter lá algum e está de certa forma sujeita a alguma fiscalização).  Durante uma visita que fiz à Nazaré das Farinhas na Bahia, vi que muitos farinheiros também colocam corante nas farinhas. Muitas vezes, cúrcuma, mas também corantes artificiais. No Mercado da Lapa mesmo tem farinha bem amarelo-corante. Alguns vendedores teimam em me dizer que aquilo é da própria mandioca e que farinha de copioba é amarela e outros chegam a inventar: é uma planta chamada copioba,  que é amarela,  e eles a adicionam à farinha. Vejam sobre a farinha de copíoba aqui.

Sobre o amarelo tartrazina, que está relacionado não só a reações alérgicas mas à hiperatividade de crianças, já falei aqui (você poderá ver um artigo que saiu na revista The Lancet).  Veja ainda o informe da Anvisa sobre o corante.

Em Rio Branco comi um caldo de rabada com tucupi que estava delicioso. Certamente foi usado um desses tucupis excessivamente coloridos, mas eu não sabia,  achei bem gostoso e quero repetir a dose quando voltar para lá - e ainda tem o pato. Então, a questão não é tirar do mercado o produto artesanal de forte tradição, mas garantir a qualidade - e também garantir a tradição, afinal tucupi que é tucupi de verdade não leva nada além do sumo da mandioca e talvez algum tempero. O negócio é dar treinamento para os manipuladores de alimentos. Será que isto é difícil de conseguir? Não valeria para os queijos e outros produtos artesanais? Ainda acredito que podemos ter bons produtos assim.

Em tempo: lá mesmo em Acrelândia fiquei sabendo que há um outro aditivo chamado de incenso, que não descobri do que se trata,  usado em garrafadas e xaropes. Falam-se dele como um pozinho branco (talvez um comprimido na forma de um cone de incenso) e que "não faz mal, não, todo mundo usa, é só adicionar e o xarope não estraga nunca". Bactericida? antifúngico? alguém conhece?

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Come-se volta de Acrelândia



Continuando o último post.
Voltei de Acrelândia na sexta-feria à noite e encontrei no aeroporto um amigo que brincou dizendo que para o Acre só mesmo a trabalho, como foi meu caso. De verdade, confesso que estou louca pra voltar e se for para passear, melhor ainda. Tanta coisa ainda deixei de conhecer. E isto não me cansa.

Como sempre, a mala veio cheia, tão cheia que usei parte do direito de bagagem da Bárbara: castanhas do Brasil, doces de cupuaçu, coador à moda do seringueiro (batismo meu), folhas de sororoca e sororoquinha, farinha de tapioca dura como sagu, para mingau, farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul, biscoitos Miragina, pés de moleque (bolo de massa puba com castanha na palha da bananeira - só desta iguaria, cerca de 8 quilos que vou dividir com quem for ver a aula de invólucros no Paladar, sábado) e até um croatá. No mais, boas lembranças.

A recente amiga Bárbara veio junto, mas já estou com saudade também dos amigos que ficam mais uma semana na casa, Lúcia, Pablo, Miluska, as crianças.  A segunda semana foi bastante animada embora de muito trabalho. Chegou o amigo Marcelo (tratado com mais respeito, poderemos chamá-lo de professor Marcelo Urbano, afinal é professor titular no departamento de Parasitologia do ICB-USP e especialista em doenças tropicais - estudou medicina com o Marcos, dividiram apartamento no Crusp) com as crianças Matias e Tomás, que deixaram a casa muito mais alegre, e mais três professores (Ariel Mariano e Alejandro Miguel do ICB e Márcia Castro, de Harvard). Os três ficaram hospedados numa pousada bem perto, mas jantávamos sempre juntos numa mesa grande formada com duas menores, forrada com toalha de plástico. Às vezes tomávamos juntos também o café.

Por duas vezes fiz baixaria para todos. Não, não é o que você está pensando. Trata-se do prato de cuscuz com carne moída e ovo frito que imitei daquele que vi no Mercado de Rio Branco. Um clássico por lá, bem substancioso. Tínhamos uma cozinheira, Maria, que cozinha muito bem, de modo que não precisávamos nos preocupar com o almoço. Mas no café da manhã e jantar era sempre um improviso.

Eu, fazendo pão. Foto da Lúcia
Churrasquinho do Snikão
Levei meu fermento e fiz pão várias vezes, inclusive um de banana da terra (banana comprida, como é chamada por lá), com castanhas, para a oficina com as merendeiras. Também fiz tapioca, panquecas, macarrão com linguiça. Tudo meio improvisado, mas deu certo, ninguém passou aperto. Ou ainda comíamos um churrasquinho com mandioca e farinha no Skinão, onde todo vinagrete tem repolho. Aliás, vinagrete em Acrelândia leva repolho e depois falo de outras particularidades como o quibe de arroz, as saltenhas ou o charuto gigante de couve.  Só devo lembrar que a cidade fica mais perto da Bolívia (28 km da fronteira) que de Rio Branco, a capital do Acre, que está a cento e pouco quilômetros. E que a cidade vive um momento político delicado, afinal o prefeito e sua mãe estão presos, acusados de serem mandantes no assassinato de um vereador.  Como me disse um senhor ao me ver fotografar fachadas de bares, neste mundo há gente de tudo quanto é jeito. E ali,  mais ainda, já que a população é formada com famílias de toda parte do Brasil, de índios morenos a gaúchos de chimarrão.  

O mesmo avião que nos trouxe para São Paulo levou daqui para lá mais três pesquisadoras: duas de Harvard e a Professora Marly Cardoso, da nutrição USP,  minha amiga, mulher do Marcelo,  mãe das crianças, coordenadora do projeto no qual me inseri. Duas linhas de pesquisa em Acrelândia, em saúde e nutrição, partem daquela casa comprada pelo casal com recursos próprios e que abriga pesquisadores sempre que necessário e sem frescuras. Um grande feito.

Estava apreensiva com a situação dormir-em-beliche num quarto quatro por cinco cheio, mas foi tranquilo e divertido. Mesmo quando podia ficar na mesa da varanda trabalhando sossegada no lap top e mesmo não gostando de futebol, preferia digitar ajoelhada no chão só pra ficar junto daquele amontoadinho de gente vendo o jogo - nosso quarto era o único com televisão e as crianças não perdiam uma partida (assim como a Bárbara e o Pablo). A Miluska, que ficou no mesmo quarto,  é uma bióloga peruana que também trabalha com doenças tropicais, mas na área laboratorial,  e chegou na segunda semana com os professores. Foi com ela que aprendi que sororoca é a mesma coisa que hoja de bijau, usada no peru para embalar peixes e outros pratos, como fazemos com a folha de bananeira.  Assunto para a aula no Paladar.

Lúcia, Pablo e Bárbara
Na primeira semana passei os dias sob sol forte andando por toda a cidade com a Lúcia e com a Bárbara que tinham que preencher questionários sobre pontos de venda, e com o Pablo que comandava o GPS e também ajudava na pesquisa. Isto foi importante para conhecer a gente e a comida. Fui vendo o que tinha de comer nas vendas  e nos quintais. E fui assim construindo minhas oficinas, baseadas no que encontrei por lá de comidas e de gente com suas histórias que me cativa com facilidade com a generosidade e simpatia, como  a dona Diná e o Seu Luiz, a Rosângela, a Luli, a Raimunda, a dona Ivone, a menina Elaine e a pequena Ingrid que tem medo de malamem (e livrai-nos do malamem, conhece?).


No domingo passado tivemos a agradável visita surpresa da leitora Patrycia Coelho e seu marido, Marcos Afonso, diretor da Biblioteca da Floresta, em Rio Branco.  Eles são de Rio Branco, tocam o blog Varal de Ideias e apareceram lá,  com bolinhos de água de laranjeira com frutas nas mãos,  depois que respondi a um comentário seu dando as coordenadas. Jamais poderia imaginar que ela apareceria, por isto a alegria da surpresa. Ganhei deles ainda um dvd sobre o Acre.

Os outros dias foram de preparo, testes para as oficinas, coleta urbana de tamarindos, carambolas, jaca verde, mamão, manga, jambo e tudo o que poderia inspirar algum prato para as oficinas com as mulheres, com as crianças, com as mulheres merendeiras. Ainda tive tempo de ir a uma colônia (sítio) ver a Raimunda, uma amazonense,  preparar minha encomenda de pé-de-moleque, que o Matias chamava de pé-de-chulé.

Seu Luiz e dona Diná colhendo folhas de sororoca
Outra amazonense, dona Diná, me ensinou a usar a folha de sororoca e sororoquinha. Com o marido Luíz e seu facão partimos quinta à tarde, já com o céu vermelho,  para o ramal (estrada de terra que leva às colônias) do café para colher as folhas na beira de um córrego seco.  Foi lá também que peguei um croatá, ajeitado pelo seu Luiz.  Mas vou falando disto tudo aos poucos,  a menos que outros assuntos me atropelem, afinal estou na semana pré-preparo para as aulas do Paladar.    

Ah, o argentino Ariel também tem um blog bem bacana escrito em espanhol. Já postou lá algumas fotos da viagem. É o www.blogariel1.blogspot.com . O Marcelo também tem o www.marcelo-penalama.blogspot.com. Lá você pode ver muitas fotos da região e saber mais sobre seu trabalho sobre malária e outras doenças tropicais naquela região. 

Elaine cuida como mãe das irmãs gêmeas Clara e Bia

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Acrelândia, uma cidade em movimento



Tenho andado pra cima e pra baixo sob sol forte de Acrelândia, uma cidade diferente das que conheci até hoje. É uma cidade nova, cheia de problemas, cheia de descasos e rica em histórias de pessoas que vem e vão em busca de trabalho, que estão em constante movimento. Aproveito a pesquisa de ambiente alimentar da equipe do projeto da USP do qual participo e ando com o Pablo, a Bárbara e a Lúcia pesquisando pontos de venda de alimentos. Enquanto isso conhecemos um pouco da história dessa gente que vem do Paraná, Mato Grosso, Rio Grande do Sul etc. e que se vai com a mesma facilidade em busca de outras oportunidades. 

O projeto, que envolve pesquisadores com formação em medicina e nutrição, acompanha a saúde e estado nutricional de crianças da cidade desde 2003.  E muitas destas crianças, que estavam aqui no ano passado, neste ano não estão mais. Mas o que mais me chamou a atenção foi o número de casas à venda, como podem ver nesta pequena amostragem. Com 10, 12 mil você compra uma casa de madeira com quintal grande de chão árido. Uma ou outra tem alguma horta, alguma flor, mas parece que ninguém finca raízes nesta estadia passageira. Salta aos olhos também o número de vendinhas e placas de venda de refresco nas casas. E se você acha que refresco é suco de cupuaçu, de jambo, carambola ou de tamarindo, que tanto dão por aqui, saiba que está enganado. É mesmo só água e pó aromatizado e colorido artificialmente vendido a rodo em todo mercadinho.

Amanhã vou dar uma oficina sobre culinária com opções saudáveis com o que encontrei nas nossas andanças. Mas depois falo sobre as comidas e, por menos identidade que encontrei, já tenho muito sobre o que falar.

domingo, 10 de julho de 2011

Come-se no Acre

Pois é, chega deste frio. Por aqui, 30, 35 graus. Cheguei ontem a Rio Branco e fui recebida com uma baforada pra ninguém botar defeito. Estou com mais três pesquisadores da USP, uma meninada simpática do mestrado e doutorado, Bárbara, Lúcia e Pablo, que participa de um projeto em Acrelândia sobre saúde coletiva, do qual também faço parte por um ano - estou indo para organizar umas oficinas culinárias.

Só reservamos um dia para Rio Branco - daqui a pouco seguimos com as tralhas para Acrelândia que fica a menos de 100 km. Lá ficaremos numa casa do projeto e espero também poder cozinhar e, quem sabe, se tivermos conexão, mostrar algumas coisas de lá. Se bem que todos dizem que não vou encontrar nada de muito típico porque a cidade é formada com gente de outros estados, cada qual com suas tradições. A ver.

Ontem fomos ao mercado e, pelo menos em Rio Branco, deu pra perceber algumas peculiaridades do comer por aqui. Come-se, por exemplo, churrasquinho com farinha de mandioca e mandioca cozida (veja o copinho na foto), come-se muita banana da terra, frita em chips e frita madura e elas são enormes. Come-se caroço de fruta-pão. O colorau é feito com farinha de mandioca em vez de fubá. A melhor farinha de mandioca é a de Cruzeiro, amarelinha, com ou sem coco. Tacacá se come a qualquer hora e há muitas barracas fixas e móveis. Vi pouco tucupi à venda, mas no mercado o encontrei em saco plástico e tingido com corante à base de amarelo tartrazina, que vai do amarelo ovo ao amarelo fanta (fuji). Tão comum quando o tacacá é o caldo com ou sem osso, que quer dizer uma deliciosa sopinha de rabada com tucupi e bastante jambu. Tem por aqui uma broinha de goma crocante, que é diferente de tudo o que já vi. Pé de moleque é uma massa de mandioca puba bem temperada com especiarias e assada em folha de bananeira. Já as folhas de bananeira das tapiocas molhadas e beijus feitos com castanha foram substituídas por saco plástico (pena). Melado, açúcar mascavo e alfenis rústicos e escuros, tem também. No mercado tinha feijões frescos, do manteguinha e do rajado. Muito maxixe amarradinho pelo rabo, muito jambu e chicória (coentrão) para o tacacá. Laranja é vendida na rua descascada e é um bom refresco para estes dias quentes. No mercado tem peixe vivo escolhido na hora. Come-se por lá o famoso prato baixaria, ou bruxaria, como alguns o apelidaram,  que nada mais é que cuscuz com carne moída e ovo, no prato. Para um lanchinho rápido tem os mingaus de farinha de tapioca e de banana. Às vezes os dois juntos no mesmo copo, um em cima do outro. E a farinha de tapioca usada não é pipocada como a de Belém, mas dura como o sagu, e do tamanho de pérolas. Se comi tudo isto? Quase tudo. E agora estou saindo pra comer mais. Se não conseguir publicar nada de Acrelândia, volto no dia 22.

Veja algumas fotos:

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pudim de doce de leite. Uruguai e Uberlândia

Este, com furinhos

Enquanto o uruguaio e o mineiro disputam pelo melhor doce de leite, na esperança de que se entendessem, juntei a receita de um com o ingrediente do outro pra fazer este pudim, já com saudade daquele servido aqui em São Paulo, no restaurante argentino Pobre Juan.

O doce de leite de Uberlândia é bem denso e escuro

Trouxe o doce do Mercado de Uberlândia, do box da Dina, aquele da Salete de sorriso bonito, mas como todos os doces acabam mofando na minha geladeira, resolvi dar um fim rápido e digno para a  iguaria. A receita é do livro "Comida casera uruguaya", de Marina Lonbardi e Susana Soria, que comprei por acaso em Montevideo, quando estive lá. Ela está quase no rodapé de uma receita clássica de pudim de leite (claro, sem leite condensado). As variações é que são uma com  leite condensado e outra com doce de leite.  Não mudei quase nada na receita, apenas reduzi mantendo as proporções e fiz o caramelo do meu jeito. Fiz duas receitas, uma em forma maior e forno mais baixo (200 ºC) e outra em forma menor, com forno mais alto (230 ºC), ambos em banho maria, por 50 minutos. É que gosto de bolinhas e sem bolinhas, mas se você prefere um ou outro, saiba que isto depende da temperatura. Mais baixa, sem furinhos. Mais alta, com furinhos. E como meu forno certamente não é igual ao seu,  talvez precise fazer alguns ajustes no tempo, para chegar ao resultado que você quer.  Pudim é o tipo de sobremesa que pode e deve ser feito com antecedência,  o que livra você do aperto na hora de um jantar programado. 

Sem furinhos e com furinhos. Depende da temperatura

Antes, se quiser ver outros pudins de leite no Come-se (sem leite condensado), tenho estes dois posts: 


É bom fechar bem

Sem furinhos



Pudim de doce de leite (adaptado da receita Flan casero do livro citado acima)

1/2 xícara de açúcar
1/4 de xícara de água
6 ovos
1 1/2 xícara de leite (360 ml)
180 g de doce de leite bem cremoso e denso  (um pouco mais que meia xícara)
1/2 colher (chá) de essência de baunilha

Coloque o açúcar e a água numa panela e leve ao fogo. Deixe virar um caramelo bem denso. Despeje ainda quente numa forma de anel, própria para pudim, com capacidade para 1 litro ou mais. Espalhe pelo fundo e pelas laterais. Se você tiver prática, caramelize direto na forma - é só colocar o açúcar sem água, deixar derreter e dourar e espalhar pela forma. Reserve.
Bata todos os ingredientes restantes no liquidificador e despeje na forma caramelada. Cubra a forma com papel alumínio ou com folha de bananeira aferventada e ainda molhada. Amarre bem para não entrar umidade no pudim. Leve ao forno médio em banho-maria e deixe assar por 50 minutos. Abra a cobertura e certifique-se, espetando o pudim com uma faca, se está com consistência de gelatina bem macia. Se está, pode desligar o forno. Se ainda está mole como um mingau, deixe mais um pouco. Deixe esfriar e depois deixe na geladeira, de preferência, de um dia para o outro.


Rende: 6 a 8 porções

Nota: se quiser fazer um pudim de leite clássico (sem leite condensado), basta bater juntos 4 ovos, 1/2 xícara de açúcar e 1,5 xícara de leite (e baunilha, se quiser).

Se quiser, pode fazer pudinzinhos no vapor. Veja links lá em cima

É, claro, meu pudim não chegou aos pés deste do Pobre Juan, que mais parecia  um pote de doce de leite desenformado, tão cremoso estava. Para comer com moderação, mas vale cada bocada.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Tapioca molhada na folha de bananeira. Quinta sem trigo 27


Este tipo de tapioca, molhada no leite de coco, sempre me impressionou. Em Castro Alves, na Bahia, foi meu primeiro contato. Estava dentro de uma panela de alumínio carregada pelo vendedor num carrinho. Não tinha folha de bananeira, mas certamente um dia teve. Lembro-me delas amontoadinhas e, se não me engano, foi embalada em plástico quando comprei. Ou num saquinho de papel, já não me lembro, faz tempo. No entanto, o sabor ainda é vivo na memória, sabendo a coco fresco com uma textura mais macia que elástica.

Em Soure, na Ilha do Marajó, come-se desta tapioca, bem branquinha, nas barracas junto ao mercado. Lá, um retângulo de folha de bananeira cortado displicentemente vem embalando a tapioca que chega se desfazendo, para se comer de colher, deliciosa. Minha amiga Adriana Lucena, disse que em Natal também tem. Pode ser mais grossa, mais fina, mas a folha é indispensável e o leite de coco, sempre fresco, com pouco açúcar.

Hoje decidi fazer a mesma variando um pouco. Diminuí o tamanho, juntei coco fresco ralado com um pouco de açúcar e erva doce como recheio, cortei a folha em círculo e, para que não ficasse desbeiçada fixei com um espeto de bambu. Sou suspeita para falar porque me derreto por uma tapioca molhada. Mas você não precisa fazer nada disso, nem recheio nem frescuras, pode fazer do seu jeito desde que molhe bem a tapioca com o leite de coco fresco e use uma folha com invólucro. A vantagem é que é uma tapioca que pode ser comida fria, no outro dia, a qualquer hora, diferente da tapioca seca, que fica muito melhor quando está quente.

O jeito de fazer tapioca já mostrei aqui e acolá (com filminho). Nos dois posts mostro como hidratar o polvilho doce (goma seca) e fazer na hora (500 g de polvilho para 250 a 300 ml de água), mas exige muito mais prática para chegar ao ponto certo.



Para fazer tapiocas pequenas,  use um aro ou uma frigideira menor
Ultimamente ando preferindo o método de hidratar o polvilho com bastante água até encharcar totalmente (coloque quanta água quiser desde que cubra e sobre ainda uns dois dedos de água. É muito mais fácil, não tem erro. Deixe em repouso por cerca de 2 horas ou até de  um dia para outro. Despeje fora a água da superfície que o amido ficará sedimentado no fundo. Agora coloque um pano bem limpo e seco por cima e deixe assim por mais uma hora, para que toda a umidade excessiva seja absorvida pelo pano. Quando o torrão estiver bem duro e seco na superfície, pode desmanchar e passar por peneira. Tempere com um pouco de sal e esta farinha úmida está pronta para ser usada. Enquanto trabalha, deixe o recipiente sempre coberto com um pano úmido para não ressecar (se não tiver umidade suficiente, os granulos não se juntam e se transformam numa farinha solta na frigideira).

As folhas de bananeira você pode colher no vizinho - no meu caso, na Veronika -  ou  numa praça perto de você. A que tenho perto de mim e que me abastece não posso dizer onde é, mas agora arrumamos um fornecedor destas folhas, cortadas ao gosto do freguês. É o Enio - tel. (11) 7288-6769.




As folhas foram cortadas usando como molde o mesmo aro.  Dobre-as ao
meio enquanto estão quentes. Facilita o trabalho depois.


Bem, mas se você vai tratar as próprias folhas, lembre-se de lavar bem, secar e passar pela chama do fogão só para amolecer. Ela vai mudando de cor, ganhando mais brilho, à medida que é aquecida sobre o fogo. Só não pode se empolgar e desidratar as folhas, que elas ficam quebradiças.

Depois que as tapiocas estão prontas, é só  passa-las rapidamente pelo leite
de coco, colocar o recheio e apoiar nas folhas

As folhas ainda quentes foram dobradas para facilitar o trabalho depois. Antes de fazer as tapiocas, juntei  um pouco de sal no polvilho. Quando estavam todas prontas, fiz o leite de coco, adocei minimamente (para uma xícara de leite, 1 colher de sopa de açúcar) e fiz um recheio rápido misturando coco ralado fresco com açúcar e erva-doce. Levei ao fogo só para derreter o açúcar, que também era pouco -  a mesma proporção usada no leite.


Com folha de sete-copas cortada em círculo - também passada no fogo para
amolecer



Se você não tiver folhas de bananeira, use qualquer outra folha própria para alimentos como caeté ou folhas de sete-copas.
                                  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Malha ou disco. Quem já comeu?

Quando acho que está tudo perdido naquela mesmice que contagia postos de estrada do norte e o sul deste país, padronizando gostos, formas, cheiros, eis que descubro algo que não conhecia dentro de um balcão de vidro fosco de gordura e temperatura duvidosa, numa destas paradas de estrada a meia distância entre Uberlândia e São Paulo.  Ainda gosto destes postos. Sempre dou uma espiada para descobrir algo além da coxinha massuda, das esfirras com recheio encolhido ou dos pães de queijo de massa pronta. Nada muito atrativo, mas vi ali um salgado que não conhecia e já quis saber o que era. Malha ou disco, respondeu a garçonete com a mesma naturalidade de quem anuncia um pão com manteiga na chapa.

Fiquei com medo daquela temperatura confortável para toda a sorte de bactérias e mandei embrulhar. Em casa aqueceria decentemente e nhac. No caixa ainda perguntei sobre o bolinho para a dona do lugar que me contou que era comum naquela região, que todo mundo fazia, que era feito com metade mandioca cozida, metade carne moída. Contou os temperos e os segredos, muito simpática. Anotei tudo naquele saquinho pardo. Estava tão curiosa para provar que levei o bolinho para a casa da minha irmã, que tinha ficado com a Dendê enquanto eu viajada, e que também tem uma viralatinha.

Conversa vai, café vem, pão de queijo no forno, experimenta a cachaça mineira e vamos esquentar o bolinho. Epa, cadê o bolinho?  As cachorrinhas tão quietas, onde estão? Pois não sei como encontraram o pacotinho e já tinham conseguido rasgar o papel quando conseguimos salvar ao menos o teco-degustação.  E aí foi como foi, sem esquentar mesmo, talvez com  uma babinha das cachorras, só para sentir o sabor. Fiquei imaginando o bolinho fresco, com pedacinhos de carne bem temperados envoltos naquela massa cremosa de pura mandioca e recém frito em óleo limpo. Deve ser muito bom pela amostra mequetrefe que tive.  Claro que não pude ler direito o que anotei, nem o nome do lugar, nem os segredos. Mas guardei o nome: disco ou malha que me fazem lembrar da infância dos tios jogando os brinquedinhos de aço triscando no asfalto.  E dos quibes de chapa que havia acabado de comer em Uberlândia.  Alguém aí tem a receita destes discos?

Quibe em forma de disco, assado na chapa, no restaurante Sahtten, em Uberlândia

terça-feira, 5 de julho de 2011

Picanha de panela da Ilza


Não é que eu esteja sem assunto. Pelo contrário, minha mesa está abarrotada de coisas que mereciam ser comentadas. Mas que estou sem tempo é verdade. No sábado vou para o Acre, onde fico 15 dias. Na volta tem o Paladar Cozinha do Brasil, com duas aulas minhas (uma com a Mara Salles e a Ana Soares, sobre invólucros,  e outra que na verdade é um passeio de reconhecimento de espécies comestíveis na cidade). E,  nestes dias que restam,  um monte de trabalho para entregar ou deixar adiantado. Por que os dias não tem mais horas?

Por isto tinha combinado com a equipe do Come-se que se resume a mim que nesta semana não haveria postagem. Mas, como as receitas de Uberlândia estavam prontas e não dão trabalho nenhum publicar, a equipe concordou em deixá-las aqui registradas para a família Ribeiro e Tanus, afinal sobrinhos sempre querem saber aquela receita da tia, pra mim mesma que quero repetir e, quem sabe, pra você.

A  picanha feita assim fica tão macia e perfumada pela própria gordura, que não é tirada, e parece tão fácil de fazer, pelas palavras da Ilza (tia do namorado da Ananda), que entra no roll daqueles pratos infalíveis para se fazer quando vem muita gente comer na sua casa e você não quer arriscar o ponto do filé. Com uma boa farofa, então, eu recomendo mais ainda!


Picanha de panela. Receita de Ilza Ribeiro Coimbra

1 picanha inteira, com cerca de 1,6 kg cortada em filés
1 cebola grande ralada
5 a 6 dentes de alho socados
2 colheres (sopa) de óleo
1 colher (chá) de orégano seco
1 colher (sopa) rasa de sal
1 cebola grande cortada em rodelas

Misture a carne com os temperos e deixe pegar gosto por pelo menos 1 hora. Coloque a cebola em rodelas no fundo de uma panela de pressão e coloque por cima a carne em camadas. Feche a panela, sem adicionar nenhum líquido, e leve ao fogo. Assim que a válvula começar a chiar, abaixe o fogo e deixe cozinhar por cerca de 1 hora. Se tiver dúvida, levante um pouco a panela e balance devagar para sentir se ainda tem líquido. Está pronta quando estiver sequinha. Na dúvida, desligue um pouco antes de 1 hora, espere acabar a pressão, abra e deixe terminar de secar sem a tampa.

Rende: de 8 a 10 porções

Para a farofa, ela usou uma farinha de mandioca já temperada. Em Uberlândia há uma fartura delas nos mercados e nas feiras. Com urucum, pequi, pimenta, a gosto do freguês.  Basta refogar em manteiga um pouco de alho, cebola e banana passa picada,  juntar a farinha, tostar um pouco e nhac!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Torta de bacalhau da Ilza

Lá em Uberlândia (ver posts anteriores) a Ilza preparou uma mesa farta para nos esperar.  Toda a família se reuniu em volta dela com conversas cheias de interrogações, afinal era a primeira vez que nos víamos. Curiosidades satisfeitas a respeito da vida, do trabalho, da casa etc, parti para as perguntas mais específicas. Pode me dar a receita da torta de bacalhau? Claro!  E da carne de panela, da farofa, do pão de queijo? E corre pegar o caderninho, porque eu sei muito bem como são estas comidas caseiras. A cozinheira experiente sabe exatamente o que pode ser substituído, sabe o peso de olhar e a quantidade para mais ou para menos de acordo com o seu humor. Então, se deu certo e você gostou, tem que pegar a receita no calor do momento, como um retrato. Depois a receita já é outra. Foi o que fiz. Do pão de queijo da Ilza, já dei a receita aqui. Depois, dou a picanha de panela que me faz salivar só de lembrar. Agora, a torta de bacalhau, de preparo simples, mas resultado surpreendente. Não sobrou para contar história.

Torta de bacalhau da Ilza 

500 g de bacalhau em  lascas lavado e deixado de molho da noite para o dia - troca-se a água duas neste período,  escorre bem e aferventa em água limpa
1/2 xícara de azeite
5 dentes de alho amassados
6 tomates maduros bem picados e refogados em azeite com alho, cebola e sal
1/2 xícara de azeitonas pretas
2 folhas de louro
Purê de batatas feito com aproximadamente 1,2 Kg cozida, espremida e temperada com 1 colher (sopa) de manteiga, 1 colher (sopa) de leite em pó e sal a gosto
1 copo de requeijão cremoso

Escorra o bacalhau e desfie mais fino que conseguir. Numa frigideira grande, coloque o azeite e refogue o alho amassado até começar a dourar. Junte o bacalhau e mexa. Deixe aquecer bem e junte o tomate refogado, as azeitonas e as folhas de louro. Refogue até formar uma mistura cremosa. Prove o sal e corrija, se necessário.  Numa forma refratária, coloque todo o purê de batatas. Por cima, distribua o bacalhau com tomate e, para finalizar, espalhe todo o requeijão cremoso. Leve ao forno bem quente para gratinar. Sirva com brócolis.

Dica da Ilza:  se quiser fazer a mesma receita com frango desfiado, substitua o louro por orégano.

Rende: cerca de 8 porções

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Assando na boca do fogo

Sempre tive curiosidade de usar uma destas formas de assar na boca do fogão. Mas tinha cisma. Não pode dar certo. Mas não é que dá?

Da janela do taxi, voltando para casa depois do mercado de Uberlândia, avistei uma prateleira de alumínios dentro de uma loja de materiais de construção (eu adoro entrar nestas lojas e encontrar o improvável). Saltamos do taxi em frente ao prédio onde estávamos hospedados e, antes de subir, chamei o Marcos para voltar comigo à loja que tinha visto. E foi ótima a intuição, pois além de encontrar ali alumínios grossos e mais artesanais feitos em Claudio - MG e outros do estado de Goiás, a conversa com a família Ferreira e Soares  - Geraldo e Gislene com o filho adolescente - rendeu dicas das feiras e jeitos de usar a forma que não vai ao forno. Pode assar pudinho, bolo, franguim e até pão de queijo, dizia o menino com alegria. E completava: Em São Paulo tem disso, não?

Família Ferreira vende tubos e conexões,  panelas de ferro e de alumínio

O fato é que, além dos quitutes que trouxe de lá vieram na mala também algumas peças de alumínio grosso, daquelas que podem ser areadas até ficar da cor da lua, onde a gota da água limpa se avoluma para ir de lá pra cá como se brincasse de escorrega e que podem ser polidas até a morte, que não furam. Claro, comprei a  tal forma.

Direto de Uberlândia:  alumínios e o que colocar dentro deles
(cachaça Paladar, para acompanhar)
Cheguei aqui e já testei na forma os pães de queijo, já que havia trazido massa. Assou, mas não compensa. Demorou muito e só cabe um pouco. Mas no outro dia testei bolo. Desde então já fiz três bolos e todos deram certo. Medi a temperatura do espaço superior e passou de 200 graus (meu termômetro não vai além disso). Embaixo da assadeira tem que colocar uma pecinha de alumínio mais grosso, como uma chapa com um furo no meio. Sobre ela coloca-se a forma com o bolo, em fogo baixo,  e o calor é chupado para dentro do furo central, criando um ambiente quente e seco na parte de cima  - a tampa tem furos por onde deve escapar a umidade e parte do calor.   Não é mais rápido que o forno - cerca de 30 minutos, mas é uma opção quando não se tem forno e a impressão que tenho é que gasta menos gás, afinal a chama do forno é muito maior para poder aquecer todo o compartimento.  Mas doura  igual e desenforma fácil.

Abaixo, uma receita simples que fiz usando o fubá de moinho de pedra que trouxe da feira e um pouco de queijo minas curado. Vou testar frango e legumes gratinados!

Uma receita comum, mas todos deram certo
Bolo de fubá com queijo curado

1 xícara de farinha de trigo
1 xícara de fubá
3 ovos
1 xícara de açúcar
1 xícara de leite
1/2 xícara de manteiga amolecida ou óleo
1 colher (sopa) rasa de fermento
1 colher (chá) de erva doce.
3 colheres (sopa) de queijo curado ralado

Misture bem todos os ingredientes e coloque na forma de fogo untada e enfarinhada. Polvilhe queijo curado ralado por cima se quiser. Deixe em fogo baixo até dourar.

Loja "Vem que tem Tabajaras", em Uberlândia: Av. Afrânio Rodrigues da Cunha, 183 - Bairro Tabajaras. Tel. 34 - 3223-4005