quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tomate que não apodrece


Tomate longa vida: de 03 de julho a 07 de outubro (fotos em ordem cronológica, da esquerda para direita, de cima para baixo)
Aproveito novamente o gancho da matéria de capa do Paladar de hoje, que fala de tomate, e especialmente a ótima crítica da Janaína Fidalgo que execra o tomate longa-vida híbrido. Não a encontrei on line, mas você poderá ver no site do Caderno um vídeo explicando os tipos de tomate e o texto da Lucinéia Nunes, "Não Pise no tomate".
É que em 2007, também inconformada com o tomate que não apodrece, resolvi testá-lo até o fim. Não publiquei porque não fiz teste controle e as pimentas que fui usando e repondo podem interferir na durabilidade. De qualquer forma, estão aí as fotos para mostrar que o mesmo tomate ficou de 07 de julho a 03 de outubro, chegando ao estado lastimável de degradação interna, com polpa mole mas não podre, e película incrivelmente firme e forte, com apenas um machucado cicatrizado que não chegou sequer a atrair drosófilas. Um dos tomates foi machucado por acidente, não resistiu e saiu fora da brincadeira. Mas o outro pode até ser apertado com a mão - veja foto acima - que não se rompeu. Dá medo de um tomate deste, não dá, não? Coincidentemente o papel de fundo das fotos é o caderno Paladar, só de preguiça de ficar anotando as datas.
Agora, fazendo um pouco de propaganda de uma amiga que deve ser a maior colecionadora de tomates do Brasil, lhe pergunto: quantos tipos de tomate você conhece? Cinco ou seis? É o normal. Mas o casal Veronica e Gyps, que teve por vários anos um restaurante de sopas em Berlim, agora cultiva, em Nova Petrópolis - RS, 57 tipos de tomates, além de ervas e outros legumes, de maneira sustentável, com sementes não tratadas e vendem o que produzem. Mostro aqui apenas os tipos de tomates, mas veja lá no site (www.sambalinasementes.com.br), que tem venda on line, quanta preciosidade.

Colagem feita com fotos do Sambalina Sementes. Veja informações sobre estes tomates no site www.sambalinasementes.com.br
Ah, caso alguém toque no assunto "tomate é fruta ou legume", já publiquei a resposta aqui.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Volto depois do feriado: cogumelos da Ceagesp




Espécies de Pleurotus vendidas na Ceagesp (eryngii e ostreatus - branco e salmão)
É muito trabalho a fazer, coisas pra ver e assuntos a resolver longe do computador e não estou tendo muito tempo para o blog nesta semana. Enquanto isto, deixo fotos - hoje, dos cogumelos vendidos na Ceagesp, que chegam fresquíssimos e lindos. Estes viraram molho para massa. Na semana que vem, na terça ou na quarta, volta tudo ao normal.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Carne de lata ou carne na banha, a receita


Tábuas postas, facas afiadas
Nestes últimos dias meus pais estiveram por aqui e, além de galinhas caipiras (desta vez compradas no açougue, pois o cachorro do vizinho tem comido as coitadinhas do sítio), trouxeram também carne de porco fresca para fazermos carne de lata. Minha mãe sabe fazer de olho (veja aqui a receita dela de lombo cheio), mas desta vez fui fazendo com sua orientação, só que pesando tudo. O bom é fazer em mutirão, com família ou amigos, com uma cervejinha do lado, beliscando o torresmo que vai saindo. Coloquei uma mesa no quintal, limpei tudo e comecei com ajuda da dona Olga e da irmã Suzana, que levou embora a metade da produção. Ainda sobrou courinho para fritar, torresmo para o pão e borra da panela para a farofa. Bem, fica aqui registrado o passo-a-passo pra mim e pra você, caso se anime.

5,3 quilos de pernil e cerca de 2 quilos de costelinha de porco

2 colheres (sopa) rasas de tempero pronto com alho (90 g) - uma com pimenta e alfavaca e outra só de alho e sal (a receita está aqui)

E mais 2 colheres (sopa) rasas de sal (32 g). Corte as carnes em pedaços (na medida do possível do tamanho de cubos de 5 centímetros) e tempere com a pasta de alho com sal e o sal. Junte também 1 colher (sopa) de pimenta-do-reino moída na hora. Se quiser, uma colherinha de chá de cominho também vai bem. Cubra com pano e deixe pegar o tempero por cerca de 2 horas (ou até 5).

Enquanto isso: pique o toucinho. Compramos 5,3 quilos de toucinho com pele, mas só usamos a gordura, de modo que se for comprar só o toucinho picado desconte o peso do courinho, que pesou quase 1 quilo e que vai virar pururuca) e compre só 4,3 kg (se bem que da próxima vez vou querer 5 quilos só de toucinho, para sobrar banha para cozinhar e também para cobrir bem as carnes).


Coloque o toucinho numa panela de ferro grande e junte 2 colheres (sopa) de sal. Misture devagar para incorporar e deixe em fogo médio até derreter e ficar bem dourado. Mexa de vez em quando.


Tire o torresmo com uma escumadeira e deixe sobre uma peneira. Se escorrer alguma gordura, devolva à panela.

Na mesma panela em que o torresmo foi frito, junte à gordura a carne temperada (pernil e costelinha). Deixe que a panela fique ocupada só um pouco mais que a metade, para não transbordar quando a gordura começar a borbulhar. Se for preciso, use duas panelas ou quantas forem necessárias.


Deixe a carne fritar, virando os pedaços de vez em quanto, até que fique bem dourada. Deve levar cerca de 1 hora.


Deixe a mistura esfriar na panela (se estiver frio, cuidado para que a gordura não comece a solidificar - ela deve estar ainda líquida). Retire a carne com uma escumadeira e distribua em potes ou latas. Passe a gordura da panela por chinois ou peneira e cubra as carnes dos potes com esta gordura. Não deixe que forme bolhas, para não mofar. A borra da peneira pode ser usada para fazer farofa.


Os potes devem ser fechados só quando a carne estiver bem fria (para não criar vapor, que também faz mofar). E a carne deve estar totalmente submersa na gordura (para não ficar exposta à oxidação e rancificar). Aqui, só metade da produção, a minha parte - carnes e torresmo (a Suzana ficou com outra parte igual)


Deixe os potes guardados na geladeira (a variação de temperatura pode derreter e solidificar a gordura e apressa o processo de rancificação). Na geladeira é mais seguro.


Usei duas xícaras de torresmo para uma massa de pão com 1,3 kg de farinha. Depois dou a receita.


E a borra da panela virou farofa! Nhac!

Cartas da caçula Biba


Foto: Pedro Henrique Negrão ("emprestada" do Diário de Sorocaba)
Minha irmã vai percorrer com uma caravana cultural do Circuito Sesc de Artes várias cidades do interior. Se você for de algumas das cidades contempladas e tiver oportunidade de ver, apareça. Veja toda a programação aqui. A foto acima é da matéria que saiu no Diário de Sorocaba, falando do projeto de escrever cartas: http://www.diariodesorocaba.com.br/site2010/materia2.php?id=217368 (o caderno Link, do Estadão, coincidentemente fala disto hoje também)
Os trabalhos da Biba podem ser vistos nos seus dois blogs

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Cuidado: pés de milho de pipoca


Bastaram uns dias de chuva e um apoio vago de terra molhada e a espiga de milho de pipoca-pérola de Fartura ficou assim, em comida viva. Resolvi levar o milho ao último piquenique para instigar a criançada. Mas elas ficaram extasiadas mesmo, especialmente a Clara e os filhos da Veronika, Chico e João, quando disse que poderiam plantar - simbolicamente, porque a praça não é o melhor lugar para um milharal.
Fiz um risco no chão com uma faca mesmo, desmembrei os grãos e pedi para que deixassem espaço entre eles. Plantaram, apertaram a terra em volta da muda com dedinhos hábeis e molharam. Aí Chico ficou preocupado, e se alguém pisasse?, e teve a brilhante ideia de escrever um cartaz: "Cuidado: pés de milho de pipoca". João leu o aviso e com um sorrisinho sorrateiro veio me perguntar na mais gostosa malícia infantil: ué, por que cuidado, o milho de pipoca é perigoso?". Respondi que não é que fosse muito perigoso, mas era bravo e estourava fácil.


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ervas na água





Como disse a Fernanda outro dia no Chucrute, várias ervas podem ser conservadas na água. Muitas delas se dão melhor quando guardadas na geladeira, soltas, limpas e fechadas - como se estivessem numa estufinha (já dei aqui a dica do guarda-temperos improvisado). É o caso das salsinhas, coentros, cerefólios, endro e outras da família das Umbelíferas.
Já as ervas da família Lamiaceae - alecrim, salvia, tomilho, orégano, hortelã, manjericão, lavanda -, se dão bem na água e podem ser deixadas assim por vários dias, até que enraizem. Enquanto isto você poderá ir usando as folhinhas até que decida replantar no jardim (embora eu ainda ache que o melhor método de se fazer mudas destas ervas seja o da estufa improvisada (já mostrei também aqui e acolá).
Algumas ervas enraizam mais rapidamente que outras, como é o caso do manjericão. Em 4, 5 dias já começam a lançar raízes. Já a hortelã demora um pouco mais, enquanto o tomilho, o orégano, o alecrim e a sálvia demoram ainda mais. Fora desta família, outra que se dá melhor que todas com o pé na água é o jambu (ou agrião-do-pará) que naturalmente prefere solos bem úmidos). Ele pode permanecer na água durante meses, sem que as folhas sofram. Chega a lançar novas folhas e florecer.
O crisântemo comestível ou shingiku, que comprei na feira da Água Branca (falo dele depois), também é de outra família, não lança raízes, mas dura também vários dias. Escolhi uns galhos com botão e deixei na água. Os botões estão abrindo aos poucos, mas a erva já tem 10 dias e continua firme.
Importante: não basta chegar da feira, meter as ervas na água e esquecer. Tem que cortar as pontas dos talinhos que podem estar desidratados e assim a planta terá dificuldade para absorver a água. Outra coisa que se deve fazer é liberar a parte do talo que vai ficar mergulhada na água, tirando um pouco das folhas para que elas não apodreçam encharcadas. Não se deve deixar as ervas muito espremidas e, se o tempo estiver muito seco, é importante pulverizar água nas folhas. Ao longo dos dias um ou outro galho certamente vai murchar. Se for o vaso todo, pode ser que precise pulverizar mais água. Mas se for apenas um galhinho ou outro, veja se a pontinha em contato com a água não está apodrecida. Se tiver, tente cortá-la fora e veja como reaje. Se ainda assim continuar murcho, jogue fora. Todos os dias é importante tirar as folhas mortas e trocar a água. Parece trabalhoso, mas vale a pena ter estas ervinhas por perto e enfeitando a cozinha.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Quem escutará o Slow Food na França? Ninguém!


Imagem emprestada do site do Terra Madre

O texto que se segue não é meu. Está no livro do ácido e crítico gastronômico do Le Figaro, François Simon, "Para onde foram os Chefs: Fim de uma Gastonomia Francesa". O texto de abertura do meu amigo Arnaldo Lorençato é tão bom quanto a obra que prefacia, que vale pelos trechos memoráveis que se repetem ao longo do livro com palavras diferentes ou outras metáforas, para que ele tenha certeza que você assimilou o que quis dizer.
Este é um exemplo e achei oportuno deixar registrado aqui a propósito da ida de vários amigos daqui ao Terra Madre e Salone Del Gusto que acontecem em Torino daqui a alguns dias (de 21 a 25 de outubro). Não pude ir, mas estarei acompanhando daqui morrendo de vontade de estar lá.
"QUEM ESCUTARÁ O SLOW FOOD NA FRANÇA? NINGUÉM! Existe na França uma bendita singularidade, uma espécie de predisposição à rebeldia, à contrariedade, erigida como um modo de vida. Enquanto a Europa (e lentamente o mundo) caminha atentamente pela trilha do movimento Slow Food, só a França resiste. No entanto, tudo é bom nessa respiração da gastronomia. Mas, veja só, acontece com a gastronomia na França o mesmo que com o blus em Chicago: é uma natureza. Nenhuma necessidade de movimento, de bíblia, de manual de instruções. Ainda que o país permaneça muito amador na matéria - e tão pouco conhecedor (apenas 3 % dos clientes dos restaurantes) -, os franceses continuam convencidos de saber tudo, de conhecer tudo.
Por isso, pouquíssimos deles de juntaram, no último outono, à espetacular manifestação do Slow Food organizada em Turim. A cada ano, essa é a oportunidade de um incrível agrupamento de produtores, de profissionais, de cozinheiros e de gourmets que embarcam em oficinas com títulos deslumbrantes: degustação vertical de parmesão artesanal, que vinho branco escolher para o caviar ... Até nas profundezas dos campos do Piemonte, a noite sussura com os arroubos líricos sobre os encantos irresistíveis da combinação de barolo com a trufa branca de Alba. De repente, o coração e o ventre do mundo batem aqui, com força e inteligência. No ano passado, o Salão do Gosto jogou a bola ainda mais para o alto, ao lançar os encontros mundiais entre as "comunidades da alimentação" (nota do Come-se: no Brasil dizemos Comunidades do Alimento"). Nome desse movimento: Terra Madre. Ele propõe reunir e confrontar 1.600 comunidades provenientes de cinco continentes, 5 mil camponeses, criadores, pescadores e produtores artesanais, 150 países, mil cozinheiros e 400 professores ... Houve oficinas comoventes sobre o arroz, em que japoneses, piemonteses e filipinos compartilhavam o gestua, a variedade de grãos ... Três gerações de peruanos falaram sobre a cultura da batata. Mais adiante, tibetanos nômades conseguiam conquistar padrinhos para resistir à vontade governamental lde estabilizá-los. A tenção se voltou para a qualidade do leite da vaca que eles criam (o iaque). Em outro lugar, um lavrador filipino faz soar o alarme: cada vez mais, os grandes grupos agroalimentícios patenteiam as sementes tradicionais, obrigando assim os lavradores a passar por eles para cultivar o arroz. Tudo isso é instigado pelo Slow Food, nascido na Itália no século passado.
Carlo Petrini desencadeou esse movimento em 1986, quando foi aberto um McDonald´s na Piazza di Spagna, em Roma. Ele defende os valores profundos da gastronomia, se irrita com a globalização e luta para recuperar estilos e ritmos de dimensão humana. Presente em oitenta países do mundo, essa "sentinela" do gosto fala de dignidade, de paleta de porco, de microeconomia e do coelho de Ischia. E, curiosamente, diante desses famintos de conhecimento e de partilha, a França faz ouvidos moucos.
Sem dúvida, naquele salão teve o presunto escuro de Bigorre, as lentilhas louras de Saint-Flour. Alguns chef franceses esclarecidos vieram mostrar sua bossa e seu discurso (Alain Senderens, Régis Marcon, Jacques Maximin, Alain Ducasse, Franck Cerutti ...). Mas, na França, as repercussões foram tão magras quanto uma fatia de presunto de Parma. Para que se indignar? Aqui, em matéria de gastronomia, existe tamanha autossatisfação que o mundo inteiro parece excluído. Ao fim e ao cabo, nosso país dedica um desdenhoso suspiro de desinteresse pela bottarga da Mauritânia, pelas avelãs bolivianas, pela batata yacon argentina (sic).
Existe em nosso doce país uma deliciosamente obsoleta mania fanfarrona de desafiar o mundo, uma "francesice" pousada como uma mantilha. Nós fomos, é verdade, campeões do mundo da gastronomia com uma técnica, um savoir-faire deslumbrante, apoiados ademais por produtos da terra, por vinhos lendários. Nós nos afundamos num espesso colchão de louros, despertando apenas aos sobressaltos para engolir uma rodela de salsichão DOC. Durante esse tempo, o mundo abriu os olhos. Depois de nos ter admirado, ele se pôs ao trabalho. Por toda parte, agora, no mundo, pode-se jantar divinamente. Cidades como Tóquio (e o que dizer de Osaka!), Nova York, Dydney oferecem um leque cintilante de mesas com chefs liberados de qualquer complexo. A capital francesa se deixa duplicar com a cortesia das pessoas refeitas de um susto: é o policial de Saint-Tropez que deixa que os carros o ultrapassem para melhor multá-los. Afinal, nós continuamos a crer que somos os melhores. Parecemos uma velha neurastênica que fala sozinha na rua. Seu discurso, aliás, não é desinteressante, ele enche os congressos dos profissionais. E, durante esse tempo, os alimentos estrangeiros continuam a ser constantemente escarnecidos. Por isso continua tão difícil comer na França uma boa pizza, um cuscuz fabuloso, límpidos sushis.
Existe como que uma glória suspeita em triunfar sobre estilos macaqueados e tratados nas coxas, cuja mediocridade e cujos amálgamas nos confortam com seu exotismo duvidoso. Nosso alfabeto culinário se reduz a seis letras (f-r-a-n-c-e), ao passo que nossa cozinha, antes de se trancar em sua própria glória, foi enriquecida pelos produtos do mundo inteiro: as especiarias da Ásia, do Oriente, da África e, pra ficar só no México, a contribuição do chocolate e do tomate. regularmente, jornalistas estrangeiros vêm à cabeceira da nossa gastronomia sondar o branco dos olhos dos grandes chefs, as entranhas dos mercados. Voltam para seus países com uma safra de clichês desastrosos (o fim dos bistrôs, a museificação dos grandes restaurantes, o desaparecimento dos produtos da terra e dos gourmets). Não são mentiras, mas aquele que dá um passo a mais descobre uma França de novas gulodices, recheada de jovens chefs e de cozinha veloz. As refinadas baguetes se multiplicam e, sinceramente, nunca se comeu tão bem na França. Só que existe essa tristeza bem-aventurada, um estilo so frenchie. Ela nos prendia, até agora, com uma lágrima no olhar, acima das fotos sépia das horas felizes, mas essa melancolia de gourmand prefigura paradoxalmente uma época um pouco mais inteligente (o que não será tão complicado diante do nível indigente do debate gastronômico) e se junta a um mundo aberto, tonitruante, que o coelho da Ischia e o iaque tibetano atravessam trotando. E o Slow Food.
Em vez de nos reunir, a comida nos mergulha num túnel de autossuficiência. O estômago fica de fora. Pensávamos que ele era o músculo mais idiota do organismo. Engano. ele é apenas bovino. Rumina o que jogamos lá dentro. Capim, é claro - a grama brota atualmente em todos os pratos -, mas, por ocasião dos banquetes de fim de ano, a quase totalidade do Larousse Gastronomique: vol-au-vent, gelatina de foie gras, entrecôte à la lmoelle vigneronne, ostras com foie gras, ovos mexidos com queijo... O pátio está cheio; teus olhos, amarelhos; tua língua, pastosa. Afinal, você buscou isso. Todo ano é a mesma coisa: o sepultamento da macedônia, a caloria e a banha de porco; uma espécie de redenção pelo absurdo, ou a arte de se fustigar com o prazer da mesa (muito ocidental).
A adesão social à felicidade substituiu o prazer culinário. Seria como acreditar que lá em cima, embaixo de seus cabelos, existe uma pequena ervilha. Mas isso também não é muito gentil com as ervilhas, que vivem tranquilamente, alisando sua esfera enquanto aguardavam para cair na panela. Depois do dilúvio de molho, então, cá está você por alguns dias num simulacro de virtude, de sopa límpida, de caldo translúcido e de legumes cozidos no vapor. Você vai recobrar o nácar de seus olhos, o perfil de seu abdome. Mas, de fato, o idiota é ninguém menos que você. Sim, sim, não tente negar. Tudo serve para você escapar do que é correto. A linha amarela dietética é a última que se pode ultrapassar com toda a impunidade. A mesa se tornou uma questão de rebeldia pessoal. Você se vinga da gramatura, da dosagem e das rações. Essa vingança se come fria (e quente). Quanto a isso, se você tiver um calendário, tem então o mais eficaz dos aliados. Ele está prontíssimo para o ano que vem: o ano-novo russo, o ano-novo chinês, a Candelária e seus crepes, o bolo-rei, ou chouriços do dia de são-nunca, o São João e sua guloseimas, as primeiras cerejas, as últimas castanhas. Somos feitos como ratos. A vida nos devora."

Simon, François. Para onde foram os chefs?: fim de uma gastronomia francesa. São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2010, pgs. 83-8

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Piquenique de pitangas

Já congeladas
Contrariando todas as previsões, ontem não caiu uma gota de água na praça do nosso piquenique perto de casa e muita gente foi aparecendo ao longo do dia. Choveu, sim, frutinhas vermelhas no chão. Pitangas, muitas pitangas. Há pelo menos 10 pitangueiras na praça, cada qual com pitanga de um jeito. Umas mais ácidas, outras bem doces; umas apimentadas, outras mais amarrentas; umas grandonas, outras minúsculas; umas quase pretas, outras amarelas.
Quanto mais o Marcos chacoalhava as árvores, mais chovia pitangas. Para não colher as gotas vermelhas machucadas do chão, tivemos a ideia de amparar as frutinhas num grande pano que levei para outro fim. Não deu outra. Um grande tanto caía fora, mas a maioria caiu no colchão de vento. Depois veio o trabalho braçal feito por mulheres que, em mutirão, separou pitangas verdes e podres, deixando as boas, enquanto tagarelava, ria, comia...
Marcos subiu em todas as pitangueiras. E também na única uvaieira

E chovia pitangas

Paulo, Ricardo e Kelly, com o pano para amparar pitangas. E as crianças, se divertindo
Paulo com uma matula cheia de pitangas

No chacoalhar da coisa, cai de tudo

Agora é só separar o que presta do resto

E todo mundo levou seu pouco limpinho pra casa. Um tanto eu comi, um tanto congelei para, quem sabe, fazer muffins de pitangas

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Spatzle com feijão e linguiça


Num destes dias corridos de arrumação de reforma, em que o prazer de cozinhar torna-se um luxo e a refeição rápida é a única saída para continuar de pé - porque quando o estômago apita já é a hora da fome impaciente, daquela que não espera um pedido de pizza -, o jeito foi improvisar. E um macarrão seco é sempre providencial. Feijão congelado sempre tenho, uma linguicinha artesanal trazida de algum recanto, também. Algum cheiro-verde vem do jardim e o resto é aquilo que não deve faltar na despensa de qualquer cozinheiro incauto - ovo, leite, farinha, sal, alho, cebola. Bem, o macarrão providencial faltou, mas todo o resto havia; então, o que era pra ser um pasta e fagioli virou spatzle com feijão e linguiça. No começo me pareceu estranho, mas o princípio do prato é o mesmo, só que ainda mais rápido. Pra quem quiser arriscar, foi assim que fiz:
Spatzle com feijão e linguiça
: coloquei água pra ferver e, enquanto isto, fiz a massa do spatzle, como mostro neste post. À parte, refoguei alho, cebola e uns 200 gramas de linguiça em fatias, do Mercado da Suzana , em azeite. Juntei um pouco de pimentão vermelho picado e mais ou menos uma xícara de feijão congelado - ainda congelado. Juntei um pouco de água, abaixei o fogo e fui lidar com a massinha - enquanto isso o feijão foi descongelando aos poucos. Cozinhei a massa só até que subisse à superfície, escorri e fui terminar o molho. Provei, corrigi o sal, temperei com pimenta e finalizei com cheiro verde. Juntei as duas coisas e nhac. Prato completo em vinte minutos e serviu três. Ah, juntei um pouco de cúrcuma fresca na massa.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Um pessegueiro na praça. Uma compota de pêssego verde

Todo mundo sabe que aqui na cidade de São Paulo estamos em plena safra da pitanga e da jabuticaba. Amora, já está no finzinho e temos pêssegos chegando. É difícil encontrar pessegueiros por aí, mas na praça vizinha tem. A árvore ainda é jovem, mas já produz pesseguinhos bons, que, claro, não chegam a amadurecer antes de serem devorados por pássaros. É o que tenho observado ano a ano, por isto havia me programado nesta temporada para colher um pouco deles ainda verdes para fazer minha compota preferida, que é feita justamente com os pêssegos verdes, meio amarguinhos, sabendo a amêndoas amargas.
Já dei aqui a receita da dona Olga, minha mãe, que recomenda sempre que não se adicione nada à calda além de pêssegos com seus caroços - estes, aliás, os verdadeiros temperos amendoados. Nada de cravo, nada de canela, que deixam o sabor da calda confuso. Por mim, concordo com ela e prefiro não arriscar. Mas, quem sabe, uma folhinha de limão?

Compota de pêssegos verdes
Lave bem 500 gramas de pêssegos verdes, descasque com uma faca de legumes bem afiada, mantendo os biquinhos. À medida que vai descascando, vá deixando-os imersos em água fria para que não escureçam (veja outro jeito para tirar a pele, na receita da minha mãe). Escorra bem e coloque-os numa panela de aço inoxidável, cubra com água e cozinhe até ficarem macios, mas não molengos - cerca de 25 minutos (o tempo pode variar de acordo com o quão verdolengo está o pêssego). Escorra a água (deixe sobrar cerca de meia xícara dela, que vai ser necessária para a calda) e coloque 1,5 xícara de açúcar - ou mais, se quiser mais adocicada. Mantenha no fogo só até formar uma calda como xarope (se o pêssego ainda não está suficientemente macio, junte um pouco mais de água e mantenha mais alguns minutos no fogo). Está pronta a compota. Rende: 6 porções
O pessegueiro na praça