quinta-feira, 29 de maio de 2014

Cenas de Belém


Estou em Belém a convite do Festival Ver-o-Peso da cozinha paraense e da Embrapa e desde que cheguei, na terça à noite, não parei ainda de conhecer, rever, comer, me surpreender. Acho que esta é a sexta vez que passo por aqui e sempre há o que aprender. Já jantamos no ótimo Santa Chicória, da chef Ilka, almoçamos no restaurante de beira de rio, Maloca do Orlando, ao qual só chega de barco, fomos ao coquetel de abertura no restaurante do Tiago, Remanso do Bosque, almoçamos no restaurante Dom Giusepe, visitamos a feira Ver-o-Peso, conhecemos o chocolate da Nena, da Ilha do Combu e terminamos o dia de hoje com comida de boteco feita por vários chefs no Boteco Veropa. No meio disso tudo ainda sobrou tempo para participar do fórum técnico sobre mandioca onde falei junto com especialistas sobre este tema apaixonamente e pude provar o tucupi preto e o pajuaru de Roraima, feitos por dona Kalu, filha de mãe índia. Mas do dia de hoje falo amanhã. Por hoje, fique com as fotos de ontem, do Ver o Peso, da Maloca do Orlando, do próprio Orlando, sua cozinha e o trajeto pra se chegar lá - em vez de rua, rio; em vez de prédios no caminho, floresta. Pra ir ao restaurante, e eu indico muito, é só ir em alguma agência de turismo ou pegar um barco até lá.


Mercado de carnes

Mingau de farinha, água, sal e manteiga - esquenta, diz a vendedora


Pimenta de cheiro

Camarão seco de todo tipo

Tucunaré
Açaí com gelo,  farinha de tapioca no Orlando
A polpa virou suco, maravilhoso. A semente seca pra fazer chocolate. Cacau.
Pupunha
Biribá
Caranguejo e casquinho de caranguejo




Biribá, cacau, sapoti


Pupunha cozida

Bananas e coquinhos



Ingá chinela

Triturando a maniva (folha de mandioca) para a maniçoba


Folha de mandioca triturada

Priprioca



Frutas no barco

Sala do Seu Orlando e dona Cici


Maloca do Orlando


Seu Orlando




Seu Orlando extrai o açaí na hora



No caminho, população ribeirinha




caranguejo e casquinho de caranguejo

Só uma pequena amostra



Cozinha do seu Orlando, limpíssima

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Dendê e camarão

Cabeça de camarão seca no forno e triturada vai pro vatapá
Cabeça de camarão a gente não joga fora, não. Assa, tritura, vira tempero pra vatapá com dendê, castanha, gengibre, leite de coco etc. Se a cabeça é boa, o corpo, melhor ainda. Nem pra todos. Se cai um camarão no chão é com dó que a gente dá pro cachorro que, normalmente, devora-o. Alguns.

Mas cachorros têm lá suas idiossincrasias. Minha Dendê, por exemplo, a viralatinha filha de uma cadela, tem aflição de bicho com corpo inteiro. Da Içá, prefere o corpo, coloca pra fora do prato todas as cabeças que arranca ela mesma. Já do camarão, não quer saber do bicho com corpo carnudo. Prefere o cérebro com olhos crocantes e antenas longas. Vai entender a cabeça do bicho.  

Vou amanhã pra Belém, participar do Festival Ver-o-Peso de comida  paraense. Depois, Ilha do Marajó. Estarei de volta lá  pro dia 10 contando as coisas de lá.  http://www.veropesodacozinhaparaense.com.br/v2014/index.php

Até lá, divirta-se um pouco com a Dendê.


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Bolinho cremoso de mandioca com cenoura no vapor. Quinta sem trigo

Sim, eu sei, quando encasqueto com uma coisa, você chega a enjoar. Estou na onda dos bolinhos de mandioca que descobri na cozinha filipina, como o puto e o pichi-pichi

Agora resolvi acrescentar cenoura à massa e ficou com gosto de cocada cremosa e ligeiramente grudenta. Alguns, cobri com coco fresco, uns, com coco queimado e outros, com farinha de coco - que você pode fazer em casa, como mostrei aqui

Aqui vai, então, a receita. O jeito de fazer é igual aos dois outros citados. 



Bolinho cremoso de mandioca com cenoura no vapor (sem trigo, sem ovos, sem leite, sem glúten, sem lactose.... mas cheio de graça) 

Bata no liquidificador 1 cenoura de 80 g com 200 ml de leite de coco até ficar cremoso. Passe para uma tigela e junte 1/4 de xícara de açúcar, 1 pitada de sal, 1 pitada de erva-doce e 1 xícara de massa de mandioca (mandioca ralada fino e bem espremida em pano até virar uma farinha úmida e solta  - pode comprar em feiras livres quando há vendedor de mandioca e seus produtos) - ou veja aqui outro jeito de conseguir.   Misture bem e coloque em forminhas de empada, pela metade - se encher, a massa pode inchar e entornar. Cozinhe no vapor, com um pano entre a tampa e a panela para absorver a umidade,  por cerca de 30 minutos ou até que a massa fique firme e translúcida.  Desenforme passando a faca na lateral. 

Rende: cerca de 20 bolinhos 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Tinta de lousa fácil pra cozinha e hortas urbanas


Quem me deu o caminho foi a amiga e leitora Ana Laura. A receita está lá no Manual do Mundo, de um maluco que ensina em vídeo muitas coisas legais e úteis.  Entre elas já testei a tinta de vidro, uma beleza, e esta de lousa, afinal temos deixado vários recados na horta comunitária. Claro, já existe a tinta pronta, mas você pode não precisar de um pote inteiro e pode gastar muito menos além de  guardar os ingredientes para misturar quando quiser pintar apenas um pedaço de papelão. Ou dividir com a vizinha (de vez em quando empresto meu kit pra minha vizinha, outra Ana,  e ela repõe a cola por gentileza, que nem precisava). Você pode encontrar estes ingredientes em qualquer loja de materiais para construção.  Já usei como suporte jogos americanos de plástico - estes são ótimos para pendurar em postes. E papelão, tábua, azulejo, balde.  Dá pra pintar uma parede inteira na cozinha, deixar um recado no quintal, decorar a sala com desenhos, fazer graça. E se você tem talentos, poderá deixar sua cozinha linda, como podemos ver aqui

De minha parte, tenho usado para deixar recadinhos na horta e na porta de casa, como por exemplo "mudas de jabuticabeira, pode levar" (desta não tirei foto) ou limpar uma viela viciada em entulhos e colocar um lembrete para não jogarem  lixo ali  (funcionou!), para regarem a hortinha com água de lavagem de verdura etc. Enfim, tenho usado para fins utilitários mesmo. 

Como se faz: basta misturar um pouco de pó de rejunte cinza (ou qualquer outra cor que combine com o tom que você quer) com cola branca até dar o ponto de massa de panqueca. Aí é só ir acrescentando pigmento para tinta na cor preta e misturando. Escolha a superfície e use uma esponja de espuma para espalhar. Deixe secar por um dia à sombra. Se houver sol, em poucas horas já poderá usar. Para apagar, use um pano úmido. E, pra deixar no tempo, tenho usado giz de cera. 

Mas não deixe de ver o vídeo

Algumas fotos: 




terça-feira, 20 de maio de 2014

Seria tempo de pinhão


Neste fim de semana caminhei durante mais de uma hora por um deserto que responde também pelo nome de "floresta comercial". 

Esta  floresta de eucalipto, que se estende até o topo do morro, estava na fase de corte.  E não é só corte, afinal a planta,  que nada tem a ver com o mau manejo que o homem lhe oferece, tenta brotar, se regenerar, mas vem um mata-espécie potente e acaba com sua graça e sua raça. E com tudo que tem a desgraça de estar em volta dela. Nenhum ser vivo sobrevive nesta "floresta". Não só a rebrota seca com cor de fogo morto, mas tudo o que está sobre a terra já exaurida. Não se vê um pontinho verde, um que respire ou outro que se mova. O silêncio é esquisito e é estranha esta floresta de uma espécie só  - ou nenhuma como é o caso agora. Para tentar compensar e se obter mais lucro plantando novas mudas, sacos e sacos de fertilizantes são despejados na terra pedregosa. 

Do outro lado, não muito distante, ainda há cantarolar de água correndo com uma paisagem colorida e diversa com manacás, muricis, caetés, quaresmeiras, jasmins, samambaia-açu, canto de pássaros e barulho de bugios. Aquilo sim, resto obrigatório talvez, é um pedaço mínimo de floresta, como todo o entorno foi um dia. No lado desértico, algumas árvores insistiram em ficar mas não sabem até quando resistem. 

Havia uma embaúba com cicatrizes de machadadas na base, uma paineira já sem forma e algumas poucas araucárias esqueléticas, jogando no chão pinhões minguados que não encontram sequer uma gralha faminta para enterrá-los.  

Pelo caminho poeirento e desértico, algumas grotas secas indicam que houve ali um dia uma nascente.  E estas fotos de Piracaia servirão pra provar que um dia houve um pé de pinhão na Serra da Mantiqueira. E que houve um dia que colhíamos pinhão pra comer na fogueira. Definitivamente isto não pode ser chamado de floresta.






 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Maria Pretinha. Ou Black Mary, a nossa blueberry

 

Tudo bem que eu disse que a charada estava fácil, mas não pensei que só a Cristina acertaria. Tudo bem também que eu fui um pouco ardilosa em colocar as frutinhas dentro de um micro almofariz de modo a enganar sobre o tamanho. Mas, como não sou de toda sacana, coloquei junto a planta com flor. Ok, meio desfocadas, mas a dica, quando há, tem que estar na entrelinha, se não não é charada, né não?

Então, pronto, faz tempo que estou pra falar da maria pretinha, que todo mundo conhece e muitos de nós comeram a frutinha quando era criança. Com o tempo a gente vai acumulando medos espalhado por um ou por outro. Culpam-na de venenosa só porque tem lá uns alcalóides do tipo solanina, parecidos ao que aparecem no tomate, na berinjela, etc.

Mas se você consultar fontes seguras como Harri Lorenzi, Valdely Kinupp (veja a tese dele sobre plantas alimentícias não convencionais aqui) ou o livro "Black Nightshades: Solanum Nigrum L. and Related Species", de  Jennifer M. Edmonds, James A. Chweya (que pode ser consultado aqui), vai ver que a planta é comestível e tem histórico de uso na alimentação.  Só se deve evitar os frutos verdes e as folhas cruas - na Ásia e na África as folhas são consumidas como verdura. Os frutos maduros são agradáveis, ricos em vitaminas, minerais e nutracêuticos como a antocianina - assim como as uvas, jabuticabas e blueberries -, que lhe dá o tom arroxeado.

Quanto à classificação taxonômica, não ouso afirmar que a espécie que tenho é a Solanum americanum (quase certo que seja), pois depois de ler o livro citado acima, não ouso ser categórica, já que tanto a S.americanum como a S. nigrum podem ter variações na folhagem.  Sorte que as duas,  espalhadas por todo o continente americano, são muito similares e não há risco de confusão já que ambas são comestíveis.

Elas são classificadas como ervas-daninhas e duramente castigadas quando aparecem onde não deviam estar - especialmente nos roçados de feijões, cafés etc. Mas, sorte minha, nasceu no meu quintal espontaneamente. No início, até achei que fosse um pezinho de pimenta cumari, pois se parecem na juventude. Aliás, são parentes. Só para citar alguns da família: camapu ou fisalis, tomate, pimenta, pimentão, batata, berinjela, jurubeba, jiló, lobeira.  Bem, as florezinhas brancas lembram as da pimenta cumari. Mas logo vieram as bolinhas. Cuidei como pude e levei para nosso sítio. É lamentável dizer mas todas as ervas "espontâneas" que hoje lá estão foram levadas daqui, pois toda a terra era tomada por braquiária, que subjuga todas as demais espécies.  Plantei a maria-pretinha do lado de fora do viveiro e agora não dou conta de tanto colher frutinhos. Eles são pequenos e agrupados em cachos como se os talinhos fossem hastes de um guarda-chuvas nu. A planta adorou o lugar, se espalhou, frutificou e as formigas não comeram.

Com ela já fiz geleia como faria de amora. Com umas gotinhas de limão, a cor fica ainda mais vibrante, mas não tem muita pectina. Com maçã deve ficar muito mais firme. Fiz também compota - só cozinhei os frutinhos em calda rala. Dá pra usar como calda para tortas e sorvetes. Mas o que mais gosto mesmo é acrescentar à massa de panqueca, principalmente se elas forem de massa mais grossa.

No domingo fiz as panquecas para o café da manhã e realmente dá pra pensar que são de blueberries. Mas que blueberry, que nada. Poderiam chamar, apelando para vender, de black mary, ou little blackmary, como sugeriu o Marcos.  Mas é como maria-pretinha que todo mundo por aqui a conhece, embora haja outros nomes como garaquinha, araxixu, caraxixá e erva-moura, entre outros, segundo H. Lorenzi. Não, em inglês não é blackmary, mas black nightshade, nome comum a espécies relacionadas, que também gera confusão. E, não, não adianta me perguntar onde vende. Saia observando nas ruas e terrenos baldios. Recolha frutinhos e plante em vasos ou no jardim (Suzana, minha irmã, diz que tem na jardineira).

Sorte que já tinha feito e tirado foto outro dia, pois separei umas panquecas lindas para fotografar e servi as outras. Avisei minha irmã que eram pra foto, mas antes de almoço, achando que eu já havia fotografado, ela não resistiu e acabou com a possibilidade de você ver aqui a foto de panquecas mais apetitosas que estas que apresento. Segundo ela, o gato atacou primeiro.  Bem, sinal que gostaram. Mas encontre maria-pretinha por aí e faça a sua própria versão. Aqui a receita da minha - uma panqueca normal com um pouco mais de farinha e açúcar.

Quentinha com manteiga. Nhac! 

Panquecas com maria-pretinha 

1 xícara de leite
1 ovo
6 colheres (sopa) de açúcar
1 pitada de sal
1 colher (sopa) de manteiga
1,5 xícara de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento em pó
1/4 de xícara de maria-pretinha lavada e seca

Bata todos os ingredientes, menos a maria-pretinha, no liquidificador, junte as frutinhas,  e cozinhe uma colherada (de servir) de cada vez, em frigideira antiaderente, deixando dourar de um lado e depois do outro.

pra 6 pessoas (mais que uma por cabeça)

Mais fotos: 

Os frutos, só maduros. As folhas, só cozidas 

Minha irmã Suzana. Colheu e comeu



Geleia: sem muita pectina. Funciona como uma deliciosa calda 
Em compota, sobre manteiga sobre pão. Nhac!