quinta-feira, 28 de março de 2013

Feijões: outros destinos. Coluna do Paladar. Edição de 28/03/2013



Hoje o caderno Paladar é dedicado a bacalhau e batatas, mas tem também um pedaço pra coluna Nhac sobre feijão, que está reproduzido lá no blog do caderno: http://blogs.estadao.com.br/paladar/pure-de-feijao-por-que-nao. Reproduzo a versão completa, já que temos cá espaço de sobra pra textos e fotos, eba! 


Feijões de outro jeito

Minha primeira experiência glutônica, fiquei sabendo por outros, tão tenra era a idade, do tempo em que a família ainda não tinha geladeira. Era prática cozinhar feijão dia sim, dia não e, para não azedar, colocava-se a panela na parte mais fria da casa – dentro de vasilha bem tampada, embaixo do guarda-louca, sobre o cimentado frio. Pois alcancei o local engatinhando e fui encontrada ali, ajoelhada ao lado do caldeirão vazio, com as duas mãos, cara, boca, olhos e pés lambuzados de feijão frio. E o pior é que não passei mal.

Podemos até não admitir, mas já fomos um povo papa-feijão:  do arroz com feijão, do feijão com farinha, da feijoada. E ainda assim quase não encontramos receitas com os grãos nos livros, como se não houvesse nada a fazer com eles além do feijão tropeiro, da feijoada, do tutu, do baião de dois. O ensopado feijão de todo dia, então, é como se todo mundo soubesse fazer, como se fosse sempre uma coisa só. Porém, cada família vai adquirindo temperos próprios e não registrado nos livros de receita -  há quem o tempere com cebola e alho, só alho socado, toucinho fresco ou defumado, carne de fumeiro, courinho de porco, uns pedaços de orelha, um naco de carne seca, umas rodelas de lingüiça, pedaços de legumes, folhas de louro, coentro, salsinha, cebolinha e até tempero pronto. Tirando estabelecimentos populares, a maioria dos restaurantes também o ignora como se feijão fosse ingrediente menor.

O fato é que o IBGE já constatou que diminuímos o consumo de feijão. Nem bem exploramos o uso deste ingrediente e já vamos declinando. Por mim, daria mais atenção às nossas clássicas formas de consumo, mas também aos usos que fazem dele nossos vizinhos da América Latina.
Papa-feijão assumida, lembro do meu avô paranaense que, quando comia, engrossava seu feijão do prato com farinha de milho bem amarela e crocante, fazia capitão e entregava aos netos, que achavam mais divertido comer feijão em bolinhos sólidos com as mãos que com caldo,  no prato, de colher. A imagem do feijão cozido lentamente em fogão de lenha na panela de ferro completam a magia da lembrança, mas mesmo os grãos feitos em panela de pressão têm seu encanto. Aliás, sem a ajuda deste utensílio, indispensável para a economia de tempo e energia, o uso do feijão já seria coisa do passado. O chiado da panela de pressão começava logo cedo, antes de as crianças irem para a escola, e estava para o ambiente feminino e doméstico nos dias úteis como a voz do narrador de jogo de futebol no rádio de pilha longínquo estava para os homens nas calçadas aos domingos pela tarde.

Antes que os grãos cozidos com folhas de louro, ainda insossos e com líquido ralo, fossem jogados em outra panela com refogado de alho socado com sal e cozido mais tempo até engrossar o caldo, eu roubava um pouco deles num prato, polvilhava com sal e comia como se fossem pinhões ou amendoins cozidos. Era divino o sabor do feijão recém-cozido, íntegro. Um dia era feijão roxinho ou rosinha; no outro, canário;  às vezes, o jalo; o preto, só para feijoada e, por último, quase sempre, o carioquinha. Gostava de todos eles, assim, puros, sem adornos. Às vezes temperava sem preconceitos também com açúcar.

Minha mãe nunca ouviu dizer que alguns baianos comem feijão de leite (com leite de coco e açúcar) na Semana Santa, mas lhe contaram que japoneses comiam doce de feijão. Ninguém deu a receita de tsubu-an nem falou que usam o feijão azuki no doce que recheia pãezinhos e pequenos bolos de arroz,  mas bastou saber que de feijão se faz doce para que ela transformasse os grãos cozidos e passados em peneira em delicioso doce em pasta, temperado com cravo e canela, como um doce de batata-doce com consistência de creme de castanha portuguesa. Era muito gostoso, um jeito de satisfazer as crianças com ingredientes baratos que tinha sempre em casa. Por isto, eu não achava estranho provar feijões com açúcar. 

Enquanto em casa o feijão imitava batata-doce já que não conhecíamos creme de castanhas, uma amiga me contou que a mãe húngara escalava o feijão tropical para se fingir de castanhas europeias no creme de marron temperado com rum e servido com chantilly, como comia em seu país.  E todo mundo adorava.  Sim, o doce de feijão lembra o de castanhas.

Se aqui o feijão é, assim, um grande imitador e mais consumido salgado, em grãos inteiros ou no máximo machucados, em vários outros países da América Latina (de onde o Phaseolus vulgaris é originário), o feijão é usado também na forma de purê. México, Peru, Costa Rica, Cuba, todos usam purê de feijão como ingrediente de doces ou salgados. Pode ser feito em casa, mas também é encontrado para se comprar, em lata. E variações de empanadas de platano,  por exemplo, doces e salgadas,  estão espalhadas por aí. A combinação de banana-da-terra (platano), o único ingrediente da massa, com feijão preto é imbatível.

Como em nossos mercados não encontramos purê enlatado, embora seja a coisa mais fácil do mundo deixar o feijão de molho e depois cozinhar em panela de pressão (e pode ainda ser congelado sem prejuízos), resolvi procurar alguma solução para abreviar o tempo do leitor. Comprei o feijão cozido e embalado a vácuo, mas só depois de provar percebi que já vinha com sal e temperos.   Para o recheio salgado, tudo bem, mas para o doce, não temos alternativa senão cozinhar os grãos.  A vantagem é que ainda temos muitos tipos de feijões Brasil afora, além do dominante carioquinha, e podemos ir fazendo variações sobre o mesmo tema. 

E só para lembrar, feijão é um alimento de fibra – solúvel e não solúvel, com percentual calórico comparável ao pão, baixo teor de gordura e alto teor de proteína (melhor aproveitada quando acompanhado de arroz e outros grãos), além das vitaminas, minerais e fitoquímicos que nos protegem de doenças e nos ajudam a viver melhor. E poder ser guardado seco durante meses e

Então, para que as pesquisas do IBGE não continuem acusando baixas no consumo, se é impraticável comer todos os dias o bom e caldoso feijão para acompanhar o arroz, ao menos vamos mantê-lo por perto com outros preparos. O doce e as empanadas de platano são bons exemplos do potencial que temos ao nosso alcance.
  

Como cozinhar para fazer o purê: lave bem o feijão, que pode ser rosinha, rajado, roxinho, canário, carioca, preto etc,  escorra, cubra com água fria na proporção de 1 litro para cada xícara,  e deixe de molho por cerca de 4 horas ou até que todos os grãos estejam hidratados, sem rugas. Pode ser deixado de molho um dia para outro, sem problemas com excesso de hidratação. Escorra a água do remolho, junte mais água - para que cubra os grãos, com folga de uns cinco centímetros acima da superfície, e coloque na panela de pressão. No caso do feijão preto, não despreze a água, para que ele fique mais escuro,  apenas complete com mais água.  Coloque em panela de pressão, tampe e leve ao fogo alto. Quando a válvula começar a chiar, abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 20 minutos. Desligue o fogo, espere acabar a pressão e só então abra a panela.  Em panela comum,  a cocção pode levar de 1 a 2 horas dependendo da idade do grão. Deve-se acrescentar água quente à medida que for secando. Se os grãos estiverem bem macios, estão prontos. Se não, tampe a panela e cozinhe mais um pouco, juntando mais água quente se necessário.  Separe o caldo e passe os grãos por passador de legumes e depois na peneira. Ou passe direto pela  peneira, amassando com uma colher. O purê tem que ficar lisinho, sem pele. Se você cozinhar 250 g de feijão, vai obter cerca de 750 g de feijão cozido e 500 g de purê peneirado. Reserve o caldo para sopas e as fibras, para virado ou capitão.

Doce básico de feijão
2 xícaras ou cerca de 500 g de purê de feijão (250 g dos grãos crus devem render esta quantidade)
1 xícara (180 g) de açúcar
1 pitada de sal
Aromas*

Coloque o purê, o açúcar, o sal e os aromas numa panela, misture bem e leve ao fogo, mexendo devagar com colher de pau para não deixar pegar no fundo. Quando levantar a colher e os pingos ficarem marcados quando caírem na superfície, ou quando o doce começar a se soltar do fundo da panela,  está pronto (cerca de 20 minutos). Coloque em vidro aferventado e seco, tampe e guarde na geladeira por até duas semanas.  Sirva, se quiser, com creme de leite e gergelim preto torrado por cima.  Ou use como recheio.

*Variações de aromas

Feijão preto:  junte 2 dentes de cravo triturados e 1 colher (café) de canela em pó.


Feijão rajado: sementes socadas de três vagens de cardamomo e 1 colher (chá) de canela.


Feijão rosinha: 7 sementes de amburana (lembre-se de tirar com o doce pronto).


Feijão canário (bolinha ou amarelo): sementes de uma fava de baunilha


Opção para servir o doce:  com nata e gergelim preto torrado 




Empanada de banana-da-terra com recheio de doce de feijão preto


Lave 4 bananas-da-terra pequenas e maduras (ainda firmes), corte as extremidades e divida cada uma em 3 pedaços. Coloque-as em panela e cubra com água. Leve ao fogo e deixe cozinhar em fogo alto até que a casca se rompa. Se preferir, cozinhe a banana sem água por 3 minutos no microondas. Espere esfriar e descasque. Passe por processador ou peneira pra ficar um purê liso. Deve render 1 xícara. Deixe esfriar bem, separe o purê em 4 bolas e deixe na geladeira até gelar. Achate estas bolas entre duas folhas de plástico com o fundo de uma panela ou com prensa de tortilhas pressionando sem força, de modo que forme um círculo de 5 milímetros de espessura, mais ou menos. Retire a folha de plástico de cima e coloque no centro uma colherada de doce de feijão preto (para 1 xícara de purê de banana, vai precisar de cerca de meia xícara de doce). Dobre o pastel com a ajuda da outra folha de plástico, pressionando bem a emenda. Coloque um pouco de manteiga numa frigideira antiaderente e deixe dourar dos dois lados do pastel, retirando com espátula, com cuidado para não machucar. Se quiser, frite em óleo abundante como as tradicionais empanadas de platanos, mas não precisa, pois tanto a banana quanto o recheio já estão cozidos. Polvilhe com açúcar e canela.





Variação do pastel salgado: em vez de usar doce de feijão, use como recheio o purê temperado com refogado de alho, cebola e pimenta fritos em azeite. Jogue o purê sobre o refogado, tempere com sal e mexa. Se quiser, junte folhinhas de erva-de-santa-maria (epazote) e fatias de queijo fresco.




Para aproveitar o caldo do feijão, faça Sopa

Refogue 1 dente de alho picado, 1 colher (sopa) de bacon picado e 2 colheres (sopa) de cebola picada em 1 colher (sopa) de óleo e junte 1 litro de caldo de feijão. Tempere com sal, junte ½ xícara de macarrão padre-nosso e deixe cozinhar por cerca de 8 minutos. Junte salsinha picada, rodelas de pimenta dedo-de-moça e pimenta-do-reino.







Para aproveitar as fibras do feijão, faça Capitão

Numa frigideira, em fogo médio, frite 2 colheres (sopa) de bacon em 1 colher (sopa) de óleo. Junte 2 dentes de alho socados e 1 cebola pequena picada. Quando começar a dourar o refogado, acrescente 3 colheres (sopa) de cubinhos de pimentão de cores variadas e 1 pimenta dedo-de-moça picada (opcional). Misture e deixe amolecer. Acrescente 1 xícara de resíduo do feijão e mexa. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Junte ½ xícara de farinha de milho e misture bem. Se a mistura estiver muito seca, junte um pouco de água ou caldo de feijão. Deve formar uma farofa úmida que possa ser modelada. Retire porções e faça bolinhos com as mãos.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Peixe é bom, mas faça boas escolhas


Sei que o leitor do Come-se não é o tipo que compra salmão de criação porque está barato no supermercado ou acha que comer bacalhau é uma necessidade na sexta-feira da paixão (ok, se você não come carne por motivos religiosos, tem a opção de ser vegetariano neste dia), mas sem querer jogar um balde de água fria na empolgação de ninguém, é bom lembrar que temos vários peixes em risco de desaparecer, vários contaminados nos criatórios, vários de criatórios insustentáveis, vários criados na base de ração aditivada com antibióticos, vários de criatórios causadores de problemas ambientais, vários pescados em períodos de defeso, vários pescados antes da maturidade sexual, vários importados da Tailândia e de outros países asiáticos, provenientes de criatórios sabe-se lá de que tipo, vários oriundos de pesca predatória etc. E, por fim, é bom lembrar que temos vários peixes negligenciados porque são de espécies pequenas, porque tem espinhas e escamas, não fazem grossos filés ou postas, não tem a todo momento nem representam símbolos de status (já reparou como tem gente que fala "eu comi um salmón grelhado"? Não diz salmão, mas salmón, já querendo ser diferente de quem come "lambarrrr-ri" pescado no corguin bem fritin. Bobagem!). Bem, estes peixes tem a vantagem de não custarem caro e serem deliciosos se bem preparados. Ainda garantem o sustento de pescadores artesanais e seu consumo não agride o meio ambiente nem coloca em risco os estoques (e sua saúde).  

Pensando nisto, o Slow Food está em campanha pelo consumo consciente do peixe e lançou o Desafio Slow Fish Day. Informações nos textos lá embaixo. 

Antes de copiar aqui parte do texto da campanha do site do movimento, aproveito para deixar o contato do Fernando, do site Alimento Sustentável, que acaba de avisar que terá peixe para este final de semana. Ele compra de pescadores artesanais, a preços justos. 

Fernando pode atender aos pedidos que forem feitos até hoje às 23 horas. Poderá entregar em São Paulo cação, carapau, espada, galo, pescada, sororoca, tainha e xaréu entre outros, em postas, inteiros ou filés. Também tem mexilhão fresco. Fernando Oliveira: www.alimentosustentavel.com.br - fernando@alimentosustentavel.com.br 

Desenho para o Come-se feito pela Adrianne Gallinari 

Está lá no site do Slow Food Brasil: 

"Com a pesca, assim como com a agricultura, o Slow Food acredita firmemente que cada indivíduo pode contribuir em algum nível para mudar os mecanismos de um sistema alimentar globalizado baseado na exploração intensiva de recursos.
Com a sua forte experiência internacional e local, o movimento está convencido de que só podemos trazer mudanças, retornando às origens dos alimentos, colocando a curiosidade e o prazer ao serviço de escolhas responsáveis.

Estamos redescobrindo o diferente, os sabores esquecidos, as espécies locais. Que tendem a cair no esquecimento num mercado globalizado e massificado. Recuperando receitas antigas, novas e atualizadas. Estamos buscando recuperar a sabedoria tradicional de comunidades de pescadores, que muitas vezes não mudaram muito suas práticas de pesca ancestrais, as dietas de gerações passadas, e os recursos conhecidos e desconhecidos guardados por mangues, rios, lagos e mares. Tudo isso faz parte da nossa história e nossa identidade. Medidas assim, a longo prazo vão formando tendências que despressurizam impacto sobre determinados nichos de produção intensificados, trazendo diversidade às escolhas. Toda a cadeia de produção entra num fluxo de melhor equilíbrio.
Neste espírito, a campanha internacional Slow Fish aporta no Brasil lançando iniciativas e compartilhando material de consulta que promova a pesca artesanal, as espécies negligenciadas, o consumo consciente e responsável, e inspirem a reflexão sobre as condições e gestão dos recursos marinhos e continentais.
Para ter alguma chance de sucesso em harmonizar de fato os movimentos da natureza e das necessidades do homem, esta reflexão deve começar em nível local.
Ou seja, com você. "

Continue lendo no site do Slow Food:  http://www.slowfoodbrasil.com/slowfish e participe do Slow Fish Day. Veja no site como participar


Caixas de bacalhau da Noruega sobre a mesa



Ainda faltam os bancos ou cadeiras, mas pelo menos mesa grande já temos para almoços na varanda, lá no sítio. De bacalhau sobre a mesa, nesta Paixão, só a lembrança do rótulo das caixas. Quero mesmo é comprar peixes frescos da represa de Piracaia. O tampo foi feito com caixas de bacalhau, destas que se compram nos mercados municipais, que vêm da Noruega. A madeira é mole, mas se trabalhada sobre uma base firme dá um efeito interessante. Já tinha visto na casa de minha irmã uma sapateira feita com as caixas de bacalhau pelo meu cunhado Darly e pedi para fazer a mesa. Dá um trabalhão para livrar a peça do cheiro forte e para deixar a superfície uniforme, mas valeu a pena. 

Quem quiser ter uma igual, ele trabalha na Vila Gumercindo e aceita encomendas. Aliás, a marcenaria dele está começando agora e o trabalho é impecável. O bom é que ele sempre se entusiasma com qualquer maluquice que você pensa em fazer com madeira. Logo, logo, Come-se terá umas peças dele a venda, com coisas que pensei, como o mini maturador para queijo e prensas para tortilhas. Aguarde. Veja mais lá no blog: www.marcenariaduly.blogspot.com

A estreia. Darly, Marcos e Suzana







Foto roubada do blog dele: Darly trabalhando na minha mesa
Sapateira com caixa de bacalhau 

Marcenaria Duly - Darly Aguiar 
Móveis e Objetos de madeira 
Rua Dom Sebastião do Rego, 113-2, Vila Gumercindo, São Paulo, SP 
Tel. 11 970.493.954 -  marcenariaduly@gmail.com - www.marcenariaduly.blogspot.com

Presentes de Páscoa




Presentes de Páscoa e de Natal deveriam ser sementes. Que brotam, se multiplicam, garantem a sobrevivência da espécie e vida aos que delas e de seus frutos se alimentam. Símbolos máximo de manutenção e renovação da vida, síntese da água, da terra e do sol, elas são nossos bens mais preciosos. 

Ontem me chegou aqui uma caixa vinda de Pouso Alegre, Minas Gerais. Meu presente de Páscoa. Foi enviada pela leitora Izabel de Lima Adão, que fez a oferta nos comentários do post sobre as mangas: "Neide, não sei separar muito bem espécies de mangas, a não ser a que conheço como espada, mas lá em casa tem dois pés de espécies parecidas mas completamente diferentes no sabor e, como esse ano elas carregaram, muitas caíram e brotaram. Vc quer mudinha? se quiser, me mande e-mail com endereço para onde enviá-las . Tenho também sementes de uma alface que meus pais e avós cultivam há muito tempo e que eles chamam de alface de sombra roxa (é mais dura que as alfaces do mercado, própria para fazer uma sopa, que na nossa família é cultuada), está na época de plantar, se vc quiser me informe no e-mail. Ah! tenho mudinhas de nêspera, também. Abç, Izabel". 

Claro que aceitei as mudinhas e pedi também a receita da sopa. Mas a caixa veio recheada de outras espécies em mudas ou sementes. Nêsperas e maxixe em frutos, alfaces e buchas em sementes, brotos de gravatá e uma estufinha de garrafa de alvejante bem vedada cheia de mudas de manga. A embalagem dos bulbos de gladíolo, das nêsperas e gravatá chamam a atenção pela beleza e praticidade. São a capa dos frutos de costela-de-adão. Além de lindas, são flexíveis, boas para acomodar frutos com delicadeza, e biodegradáveis. 

Izabel teve ainda o cuidado de mandar junto com as espécies um pouco do terroir de seu quintal. Talvez não tenha tido a intensão, mas o matinho seco e a terra úmida que vieram juntos trouxeram um pouco dos aromas de solo sombreado aos pés das mangueiras, do musguinho que cresce verdejando o caule, dos fungos brancos que se espalham por baixo do mato molhado e alimentam formigas, da palhada em decomposição e de um fumacê de fogão de lenha que havia ali perto. Posso estar sonhando, mas todo este cheiro veio junto e acho que se  um dia for até a cidade da Izabel serei capaz de encontrar seu pouso alegre pelo rastro.     

Bem, Izabel, agradeço os presentes de Páscoa (ainda que não tenha pensado na data) e me empenharei para que tudo se multiplique. A sopa, a farei assim que colher minhas primeiras folhas de alface de sombra roxa. 


Parte da planta costela-de-adão para embalar
Doze mudas de mangas do quintal 

Caixa de alegrias - sementes, bulbos, brotos, mudas 

Bichos de Piracaia









terça-feira, 26 de março de 2013

Sementes de leucena ou guaje. Comem-se

Pois é, muita gente achou que eram sementes de abóboras as pepitas verdes na foto da charada no último post. São sementes de leucena. Realmente são parecidas no tamanho e no formato, mas não no sabor.

Esta foi uma das mais felizes descobertas dos últimos dias.  Gosto muito de comida mexicana, embora nunca tenha estado no México – ainda, e fico entusiasmada quando descubro que temos aqui negligenciados os ingredientes apreciados naquele país.  É o caso dos nopales, da flor de babosa, do huitlacocle,  da flor de iuca, só para citar alguns.  E, agora, o time está completo com as sementes de leucena ou guajes, como são conhecidas por lá.  Aliás, podemos adotar o mesmo nome, guaje, por que não. Deixemos leucena para a praga exótica ou  nutrição animal e guaje,  para a iguari que é. 
Sim, a leucena é tida como espécie exótica daninha. Apesar de ser ótima fonte proteica para o gado,  coloca em risco nossa flora. Mas as árvores aqui estão e não sendo possível exterminá-las, o negócio é não deixar as vagens amadurecerem, impedindo uma proliferação descontrolada.  Para isto, não há melhor solução, que comê-las antes que germinem. É um ótimo controle biológico.
Até pouco tempo atrás eu nada sabia sobre estas sementes e só ouvia falar de leucena quando o assunto era nutrição animal. Sequer imaginava a cara da árvore.  Mas o amigo e leitor Guilherme Ranieri, antes de se mandar para Irlanda, me mandou um email perguntando se eu sabia que as sementes são comestíveis. Não sabia, mas fui procurar saber através dos links que me mandou, de outras pesquisas e também com a colega mexicana Carmen Mendoza, que tem um ótimo blog de comida e ingredientes regionais, escrito com talento e precisão (www.saboreartentusiasma.blogspot).  
Leucaena leucocephala - flor como uma cabecinha branca  
Descobri que a planta-  Leucaena leucocephala - é originária do sul do México e pode ser encontrada mais abundantemente nos estados do Sul, como Guerrero, Morelos, Chiapas e Oaxaca. Por sinal, o nome guaje ou huaje foi inspiração para nomear  o  estado de Oaxaca (pronuncia-se Oarraca ou guarraka), que deriva do nahuatl Huaxyacac, que quer dizer  “no nariz dos guajes”. Do México veio para a América Central e do Sul. 
Carmen Mendoza tem um post a respeito http://saboreartentusiasma.blogspot.mx/2012/03/no-me-hago-guaje-con-los-guajes.html e mostra outra espécie que também é chamada de guaje, para que não se confundam as duas coisas. A outra é o que conhecemos por cabaça.  Ela vive no estado de Morelos e me conta que lá se comem as sementes frescas e também as secas. Em seu post a respeito, dá receita de um mole de guaje ou guaxmole (huasmole, huaxmole, guaxmoles o moles de guaje), um guisado feito com as sementes de guaje  - também conhecidas como cacalas, huaxin, gauxi, hausi ou cascalhuite, tomates, cebolas e carne de porco. As sementes são comestíveis em qualquer estágio. Podem ser cruas, cozidas, secas ou tostadas e a finalidade é dar consistência a guisados ou molhos.  As sementes secas, trituradas, podem ser adicionadas a tortilhas, para enriquecer.

As vagens podem ser verdes ou avermelhadas

Basta destacar uma banda da vagem e tirar as sementes

O ideal é colher as vagens marcadas com sementes graúdas

As sementes secas podem ser trituradas e usadas como
farinha

Bem, você pode me perguntar: sendo a leucena uma fabácea que, como feijões e outros grãos podem ter fatores antinutricionais, será que nossas variedades são mesmo comestíveis?  Será que a domesticação no México não selecionou as mais apropriadas para alimentação? Não terão as nossas alguma toxicidade? Resposta: não sei.  Nem postei nada ontem porque fiquei pesquisando e não encontrei nenhum trabalho brasileiro que indicasse o uso seguro da leucena na alimentação humana, mas também não encontrei nada que a desabonasse como tal (o que não significa a absolvição). Mas encontrei indicações do uso como alimento – certamente por influência do uso mexicano.  Se era pra ter alguma intoxicação aguda, eu já estaria com pé na cova, pois desde que descobri que tenho uma árvore produtora de vagens no nosso sítio, já comi várias. Agora, se a coisa é crônica, daqui a alguns anos saberemos.  Na maioria das vezes, comi crua, direto da vagem, como pode ser aprendido aqui neste vídeo.

De qualquer forma, o ideal é consumir cozida, como qualquer outra leguminosa (fabácea). E fica a dica para pesquisadores de nutrição:  o potencial alimentício das sementes de leucena. A árvore se dá bem em clima árido (embora Piracaia não seja quente ou árido) e poderia ser uma alternativa alimentar, rica em proteínas, para populações com  risco de desnutrição.  E se esta pesquisa já foi feita, desculpe. Se alguém tiver referências, é só mandar.




Enquanto isto, podemos ir nos divertindo com as vagens perdidas pelos nossos campos. Os americanos já estão fazendo a festa com estas vagens que, recentemente, descobriram nos mercados de produtos latinoamericanos. E logo a veremos nos pratos de chefs por aqui. E nós não precisamos nem ir aos mercados, elas estão fartas entre a paisagem, como verdadeiros mata-pastos. Nas ruas de São Paulo deve haver. Só não saia por aí comendo sementes cruas sem ter certeza da correta identidade da planta. Consulte guias pelo nome científico, tire fotos, compare, certifique-se com quem conhece.

Ah, sim, não falei nada do sabor, mas lembra um pouco alho e cebola. Uma mistura sutil dos dois, só o lado bom de cada um. Tem também um quê de shitake, especialmente no retrogosto (muito bom, diga-se).  Lembra ainda aquelas folhas de cipó de alho (aliás, acabei de ganhar uma muda do Edilson, do viveiro Ciprest, que tem agora pra vender). É um sabor de tempero, umami.  Bem, eu já comi muitas sementes cruas e usei em pratos cozidos, de vários modos, até no pão de abóbora. Prove você também e me conte o que achou. Veja aqui como usei: 


No bolinho de arroz e feijão no vapor, com camarão seco
No arroz, com pimentas
Como pesto, que temperou a abóbora 
Na massa do pão de abóbora 
Com abóbora e sementes de abóbora


Para saber mais: 

sexta-feira, 22 de março de 2013

O que é, o que é?

Já sabe o que é? Então, diga aí. Confirmação, só na segunda-feira. Valem chutes e equívocos. Bom fim de semana!