sexta-feira, 31 de julho de 2009

O que é, o que é?


Clique, amplie, mordisque. Resposta na segunda. Bom fim de semana!

Porções de boteco por aí


Atendendo à provocação do Dória, comi ontem o sarapatel e a galinha na rua Tatuí, 167, mesmo sem pertencer a guia gastronômico nem nada disto. Pra falar a verdade, nem gosto muito de falar de restaurantes. Mas fiquei curiosa quando ele mostrou a foto daquele boteco mal ajambrado quase em frente ao Così. Lembrei que meu mais recente amigo, Andres Sandoval, morava na rua e perguntei sobre o lugar. Ele respondeu que já havia comido lá, gostava, mas tinha mudado de dono (o antigo agora é um taxista). E disse ainda que se eu fosse comer ali era só chamar que ele iria junto. Pois ontem aconteceu. Atencioso, teve ainda o cuidado de ir um dia antes comer a galinha para ver se a qualidade da comida continuava a mesma. E continuava, já que a cozinheira é a mesma. Pedimos sarapatel, que poderia ter um tantinho mais de cominho, e a galinha, que estava ótima, sem gosto de pena, com bom tempero, bem cozida, só que com muito coentro para o meu gosto. As sobrecoxas grossas não me pareceram as de galinhas caipiras trabalhadeiras, mas eram gostosas. Enquanto o feijão estava cremoso, fresquinho e bem temperado como os melhores caseiros, o arroz estava meio sem-graça, parecido com aqueles requentados no vapor - gostoso no tempero, mas não maravilhoso na textura. Também, sou chata com arroz e pão de restaurante. Pelo menos não era uncle-bens. E não nos sentimos lesados no bolso. Com uma Tubaína e umas rodelas de tomate, tudo isto saiu por 28 contos*. Aceitamos recomendações de botecos desconhecidos que façam comida boa que, espalhados entre os bairros de São Paulo, deve haver às pencas.
Além de ótima companhia, Andres Sandoval tem guache nas veias - desenhou como se bebesse água e ainda me mostrou muitas ilustrações lindas.
* Andres me corrigiu: os 28 contos incluiram ainda a refeição do dia anterior com tubaína. Ou seja: compensa!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Panela elétrica de arroz. Com a berinjela a todo vapor


Pretendia usar esta vasilha, com tampa, mas a panela não fechou e eu mudei para uma mais baixa e cobri com papel alumínio.

Juro que a panela não é jabá. Deve haver outras marcas com cestinha. Ela pode ainda ser programada para começar a funcionar mais tarde. Assim, o jantar pode ser programado no café da manhã.
Minha panela elétrica de arroz é usada quando estou em casa, mas sem tempo para ficar na cozinha atenta ao fogo e seus momentos precisos. Ou quando saio e quero deixar programado para ter arroz quente quando voltar. Raramente a uso para arroz branco, que no fogão seu preparo não demora mais que 15 minutos. Já que vou usar, prefiro fazer grãos que no fogo comum também levariam mais tempo, como o arroz integral, puro ou com lentilhas, afinal, apesar da praticidade, não é o tipo de eletrodoméstico para apressar, mas sim facilitar sua vida, desde que haja o tempo para se programar e usá-lo para outras prioridades.
Ontem à noite precisava trabalhar e não ia dar pra fazer o jantar que seria servido lá pelas 8, quando o Marcos chegasse. Então, por volta das 6 horas fui à cozinha e já deixei cozinhando na panela elétrica o arroz integral (moti aromático, crotalária) do Seu Juarez (2 xícaras de arroz, sal e manteiga, para 4 xícaras de água - mas isto pode variar de acordo com a idade e tipo do arroz) e voltei para o escritório sem preocupação.
A grande sacada deste modelo de panela é a cestinha que encaixa na parte de cima do recipiente onde vai ser cozido o arroz. Então eu sempre aproveito para botar ali uns pedaços de batata-doce, beterrabas embrulhadas em papel alumínio, batatas, abóboras, brócolis, couve-flor, quiabos, vagens. Ou qualquer coisa que possa ser cozido com o vapor.
No caso do arroz branco, de cocção mais rápida, muitos destes legumes ou mesmo peixes podem ser colocados desde o início. Já com o arroz integral, eles podem ser colocados no meio da cocção. Ou é só escolher aqueles mais firmes como beterrabas, bardanas ou cenouras. Brócolis, vagens e quiabos, deixo para colocar quase no final. De qualquer forma, se optar por fazer purês ou sopas cremosas com os legumes feculentos como mandioquinhas, batatas, batatas-doces, carás, inhames, banana-da-terra etc, eles podem ser cozidos mais longamente.
Chegou em casa, o arroz está pronto e quente e o legume, pronto para ser salteado no azeite ou manteiga com algumas ervas e especiarias ou virar sopa ou purê, que é vapt-vupt. Se tiver um filé de peixe, um bife ou uma carne macia picada em tirinhas ou cubos, basta temperar com sal e pimenta e dourar na frigideira antiaderente com um pouco de azeite. E num palito seu jantar está na mesa.
Mas, se ainda quiser incrementar o uso da cestinha de vapor e adiantar ainda mais seu trabalho, deixe lá a mistura completa e temperada, como estas berinjelas. Foi só temperar e elas sairam prontas no mesmo tempo do arroz. Vários outros vegetais podem ser preparados assim e até folhas mais firmes como repolho ou acelga. Você pode usar uma vasilha de aço inoxídável ou uma travessa refratária baixa que não atrapalhe o fechamento da panela. Só tome o cuidado de cobrir com papel alumínio para que o vapor que se condensa na tampa da panela não transforme seus legumes num indesejável ensopado.

Como fiz as berinjelas: misturei duas berinjelas médias cortadas em cubo com meio pimentão verde picado e um tomate vermelho sem sementes picado; temperei com sal, pimenta vermelha ardida em flocos, uma colher (sopa) de vinagre, 1/4 de xícara de azeite e ervas frescas (manjericão, tomilho, manjerona). Coloquei tudo numa vasilha de inox, tampei com papel alumínio e encaixei na cesta de vapor da panela de arroz. Cozinhou por cerca de 1 hora ou mais (não vi quando a panela desligou, mas estava tudo quentinho na hora do jantar).
Nota: gostaria de ter colocado uvas passas, mas não encontrei; queria pimentão vermelho e não o verde, mas não havia; umas azeitonas pretas cairiam bem, mas não me lembrei delas; e o tomate não era pra entrar, mas estava dando sopa na geladeira. Então, faça sua própria mistura, boa sorte e nhac.

Que bicho é este?


Há dias acompanho o comportamento destes seres imutáveis que povoam o galho do meu ora-pro-nobis. À luz fraca são de cor flicts e para o míope passaria por protuberâncias de uma planta doente. Mas ao piscar do flash revelam-se cheias de cores. No meio delas, uma sem asa com manto desenhado de vermelho, amarelo, branco e preto. São cigarras maduras depois de anos em ninfa na terra? O que pretendem ali paralizadas? Será que à noite trocam de lugar? Tem ali uma organização? Alguns ovinhos escondidos por baixo daquelas asas? Meu ora-pro-nobis sofrerá? Será que se alimentam de sua seiva? Esperam a ecdise para espichar o esqueleto (ops, exoesqueleto)? Trocarão todas de roupa ao mesmo tempo? Aguardam a primavera para ziziar juntas no fim da tarde? Por enquanto nada acontece. Ou nem cigarra são? Ajudas, please, entomólogos de plantão.


quarta-feira, 29 de julho de 2009

Requeijão moreno com cajuzinho com cerrado



Diferente de muita gente, não sou do tipo que se derrete por um queijo. Como e gosto se ele está na minha frente, mas não o desejo. O mesmo se dá com doces, chocolates. Em compensação, não resisto à raspinha ainda quente de arroz grudado do fundo da panela, a um bom prato de sopa gorda, um quadrado de torresmo crocante e pão salgado quando sai do forno. Sorte que também gosto de muitos legumes, verduras e frutas. Então, fica tudo certo.
Por isto, no café da manhã na pousada em Pirinópolis já ia deixando passar este e tantos outros tipos de queijo. Mas resolvi experimentar porque era novidade pra mim e por causa da cor que dá o nome: requeijão moreno. Provei e repeti. Era uma massa cremosa, cozida, com gosto forte de manteiga dourada, aquele gosto amendoado combinado com um certo doce de leite. Achei que pedia mais um acompanhamento doce que salgado. Ficou bom, por exemplo, recheando uma broinha de fubá. Dizem que derrete bem, mas não sobrou dele pra comprovar.
Encontrei pra comprar na feira que acontecia na cidade, no domingo e a vendedora me explicou como se faz - tempera com a manteiga dourada (receita no link lá embaixo). Não podia deixar de trazer na bagagem - por ser bem gorduroso é também bastante resistente a viagens e chegou fresquinho. Aqui, pesquisei um pouco sobre ele e descobri que é um produto típico de Goiás, mas não só. Em Minas Gerais, mais para o Norte, parece que também é bem popular, e é vendido no Mercado Municipal de Belo Horizonte.
Ananda não ligou muito, mas Marcos gostou bastante e quase que não sobra o queijo para experiências – usei um pedaço para rechear o ravióli de baru (porque achei que iria bem com o adocicado da fruta – e combinou) e outro para acompanhar o cajuzinho do cerrado, que eu estava louca pra provar. Pena que este não chegou bem por aqui ou já passava mal quando o comprei também na feira.


Requeijão moreno com cajuzinho do cerrado
Não consegui confirmar o nome científico do exato cajuzinho que comprei, já que duas espécies do gênero Anacardium são chamadas popularmente de cajuzinho-do-cerrado, caju-do-cerrado ou cajuí: o Anacardium othonianum e Anacardium humile. De qualquer forma, era um mini caju muito perfumado, mas no retrogosto senti um azedo não de ácido mas de estragado mesmo. A espuminha na calda confirmava a contaminação. Na dúvida, foi tudo pro lixo. Mas a foto fica como dica de combinação, pois acho que se merecem. Só vou ficar sabendo mesmo quando tiver de novo a oportunidade de provar uma amostra sã. Se você já provou, me conte.
Recheio para ravioli com polpa de baru - a receita publiquei antes de ontem.

Recheio para massa com abóbora e castanha de baru

Para saber mais sobre os cajus do cerrado, acesse

Espécies potenciais do gênero Anacardium no Cerrado Goiano, de Sílvia Correa Santos Fruteiras do Cerrado, de Silva, A.P.P., Melo, B. e Fernandes, N.
Sobre o requeijão
Uma receita de requeijão moreno
Um vídeo sobre requeijão mineiro, de Pedra de Indaía, com raspa do fundo da panela

terça-feira, 28 de julho de 2009

Província, de Carlos Posada. Um videoclique na cozinha com Checho

De uma só tacada conheci melhor a vida e carreira do chef boliviano Checho Gonzáles que aparece no videoclipe acima, enviado ao Come-se pelo produtor Gilson Val, e ainda a música Província, de Carlos Posada e seu gostoso sotaque pernambucano. Gilson mandou o link a propósito do panelaço da cozinha, da cena gastronômica em ritmo de guitarra. E eu adorei a filmagem, o enquadramento, a luz, a massa de pão e a lâmina cortante no desce-e-sobe sobre a carne. Mas a música, pra mim, foi uma surpresa boa e já virei fã do jovem Carlos. Fui atrás e, de lambuja, acabei conhecendo o trabalho da banda Bárbara e os Perversos, da qual ele faz parte. Se a gente começa a fuçar, ver e ouvir myspace, youtube e que tais, este mundo estimulante não tem fim. Mas, deixe eu ir lá ver meu bolinho de fubá de arroz com abóbora que está a fermentar.

Ah, a produção do vídeo é do Gilson Val e de seu sócio há 10 anos, Eduardo Brand, que também é o diretor. Seus filmes já participaram de vários festivais como o Internacional de Vídeo do Japão, o Independente de Cinema de NY e o Internacional do Rio. Vale a pena conferir.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A polpa do baru



Amigos do Slow Food em treinamento: Fábio Sícilia e Rosângela Pezza Cintrão (Bibi) tirando castanha de baru (foto de cima). Eles chegam lá.


A polpa tirada - uma camada fina entre a pele e o caroço duro - dentro do qual está a amêndoa.
Não dá pra ir a Pirenópolis e voltar sem baru na bagagem. Desta vez (só havia estado lá uma outra vez, há uns 10 anos), trouxe não só as castanhas, mas também o fruto inteiro para testar a polpa em receitas. O Seu Bié, da Fortaleza do baru que fomos visitar (Associação de Desenvolvimento Comunitário de Caxambu), nos mostrou o processamento do fruto. Para se extrair a amêndoa, é usada prensa hidráulica ou cortador artesanal feito com uma foice adaptada e projetada de tal modo que só a capsula é quebrada, preservando a integridade da semente. Cada trabalhador consegue extrair 3 a 4 quilos de amêndoas por dia (durante a safra, no inverno). De cada mil frutos só se consegue em média 1 quilo de amêndoas, para se ter ideia do trabalhão que isto dá.
Ele nos mostrou também o que é feito com a sobra dos frutos desamendoados – viram carvão de ótima qualidade. E nos deu a provar umas lascas da polpa crua, cujo uso na cozinha poderia ser uma outra alternativa de uso além do carvão. De cor marrom, densa, cremosa e adocicada, remete a sabores perfumados como chocolate ou baunilha. Eliana, aqui de casa, acha que lembra jatobá. Eu, não.
Fiquei sabendo que daria para fazer com ela bolos, geléias, licores e pães, mas quase nunca é aproveitada como tal. O que se quer é a amêndoa. É claro que fiquei curiosa e quis trazer um tanto para fazer umas experiências. Não é muito fácil tirar a polpa na faca, faz bolhas nos dedos, mas a Eliana me ajudou e conseguimos quantidade suficiente para fazer o que eu queria. Talvez seja a falta de técnica. Lá embaixo, as receitas.

O baru: para quem não sabe, o baru (Dypterix alata) é uma árvore leguminosa típica do cerrado brasileiro. É parente do cumaru,
Dypterix odorata (fava-tonka), mas em sua semente não se nota forte presença de cumarina como é o caso deste e por isto usado como aromatizante. Tem, sim, sabor de amendoim. Fraquinho, mas tem. O baru recebe nomes populares que se confundem com a D. odorata: cumbaru, cumaru, emburena brava, pau cumaru e cumarurana. Mas também barujo, coco-feijao e fruta de macaco. Ocorre nos estados de Mato Groso, Minas, Goiás. Em São Paulo também havia, mas está praticamente extinto. Em Goiás, muitos fazendeiros tem cortado baruzeiros antigos para darem lugar à soja.

O que mais se aproveita da árvore alta e vigorosa são as sementes bastante nutritivas que devem ser torradas (cruas, apresentam um fator antinutricional - inibidor de tripsina) e podem ser usadas do mesmo jeito que amendoim, nozes e castanhas de caju. No pesto, no pé-de-moleque, nos cereais matinais, nos pães, biscoitos.


Mas a polpa também é uma ótima fonte energética, rica em proteínas, fibras e carboidratos e são apreciadas pelos animais silvestres. Gados comem o fruto inteiro e descomem as sementes com sua cápsula lenhosa (endocarpo) intacta.



Dendê não é animal silvestre, mas a viralatinha age como se fosse - abocanhou os dois frutos que foram ao chão da cozinha e correu quanto pode para trás do sofá. Os dois só voltaram em cena quando já estavam no osso, como escovinha seca (são os da foto). Não desperdiçou nadinha da polpa (mesocarpo). E ontem fiz um tanto de talharim com polpa e deixei secando. Quando me dei conta de que ela poderia alcançá-los, era tarde. Só sobraram dois cadarcinhos de massa que separei pra foto, mas misteriosamente sumiram hoje da cozinha - pergunto, pergunto e Dendê não me responde se pegou ou não. O Seu Bié me contou que ninguém fala muito sobre isto, mas que a polpa é vermífuga. Que bem faça à Dendê, então. Um dos inconvenientes da polpa é que é rica em taninos, mas quando os frutos estão bem maduros, eles somem. Nos que trouxe não havia nenhum resquício de travo ou amargor associados à substância.

Para extrair a polpa os frutos podem ser cozidos e raspados, depois de tirada a castanha. Eu preferi tirar a polpa crua, com faca, mas reconheço que não é o jeito mais prático. De qualquer forma, tudo o que fiz deu certo. Talvez possa ser aperfeiçoado, mas não o será por mim, já que dificilmente terei de novo estas polpas em mãos. Deixo a experiência para quem tem por perto farta polpa de baru. E, pelo menos quem mora em Goiás, deve ter.

Primeiro, quis fazer um mingau bem simples pra criança comer no lanche da tarde - aproveitei a mandioca que tinha aqui cozida e congelada e a rapadura de fim de tacho que trouxe da feira de Pirinópolis, mas ficou tão bom que acho que não faria feio se fosse servido como sobremesa. Depois achei que a polpa adocicada mas não muito faria uma boa massa de macarrão que poderia ser recheada com a própria castanha, abóbora cozida e requeijão moreno que trouxe de lá também. A massa adocicada casou bem com este recheio e com a manteiga clarificada que a banhou. E, por fim, acabei de fazer um pão neutro em sal e açúcar, usando a polpa e a castanha. Quente, com manteiga derretendo sobre a fatia, estava bem bom. Mas acho que vai ficar melhor quando frio - menos perfumado. Fiz tudo a olho, mas tive o cuidado de anotar o que fui juntando. Então, às receitas:

Creme de baru com mandioca e rapadura
1 xícara de leite
3/4 de xícara de mandioca cozida em água, sem o miolo
1/3 de xícara de polpa de baru maduro
3 colheres (sopa) de rapadura picada ou a gosto
10 castanhas de baru torradas e picadas
Para a calda: 3 colheres (sopa) de rapadura picada, água, 1 colher (chá) de suco de limão
Leve ao fogo o leite, a mandioca cozida, a polpa de baru e a rapadura. Quando ferver e a rapadura derreter, bata com mixer ou no liquidificador até resultar num creme bem liso. Espere esfriar, cubra e coloque na geladeira até ficar bem gelado. Bata de novo com o mixer para ficar bem liso, despeje em taças e sirva com a calda (veja abaixo), polvilhado com castanhas de baru.
Faça a calda: leve ao fogo a rapadura com um pouco de água. Espere derreter a rapadura e começar a caramelar. Junte, aos poucos, mais um pouco de água e deixe ferver até formar um xarope grosso. Desligue o fogo e despeje o suco de limão. Se estiver ainda muito grosso, junte um pouco mais de limão ou água.
Se quiser, coloque em copinhos e cubra com a polpa de baru ralada. Ou coloque tudo ao mesmo tempo: as castanhas picadas, a polpa ralada e um pedacinho de fruta cristalizada.
Rende: 3 a 4 porções
Pão de polpa e castanha de baru
1 xícara de água morna (240 ml)
1,5 colher (chá) de fermento biológico seco
1 colher (chá) de sal
150 g de polpa de baru
1 ovo
50 g de manteiga em temperatura ambiente
400 g de farinha de trigo (ou mais, se necessário)
40 g de castanha de baru torrada e picada
Misture a água com o fermento e mexa para dissolver. Coloque no liquidificador este fermento diluído junto com o sal, a polpa de baru e ovo. Bata bem até formar um mingau liso e cremoso. Coloque numa tigela e junte a farinha aos poucos, mexendo sempre com uma colher de pau (ou coloque na máquina de pão) no modo massa. Quando quase toda a farinha já foi adicionada, coloque a manteiga e misture bem, amassando com as mãos (se não estiver usando a máquina de pão). Quando a manteiga estiver bem incorporada, junte a farinha restante e amasse bemobter uma massa lisa e brilhante que se solte das mãos. Se preciso for, junte mais farinha. Acrescente metade das castanhas e misture bem para incorporá-las. Cubra a massa com um pano e deixe em lugar abafado para crescer até dobrar de volume. Molde um pão redondo, pulverize água e espalhe por cima as castanhas picadas restantes. Coloque numa assadeira untada com manteiga e polvilhada com farinha. Deixe crescer novamente até recuperar o volume. Faça corte em cruz na superfície e leve ao forno (250ºC) pré-aquecido. Deixe assar por 10 minutos. Abaixe o fogo para 180ºC e deixe assar por mais 50 minutos. Deve ficar bem dourado (observe que o meu deixei passar um pouco os 10 minutos iniciais, por esquecimento, e ficou mais dourado que o desejado).
Rende: 1 pão
Ravioli do Cerrado (massa de polpa de baru recheada de abóbora, requeijão moreno e castanha de baru, com manteiga clarificada e alfavaca)
Massa
3 ovos
100 g de polpa de baru maduro
260 g de farinha de trigo especial (ou mais, se necessário)
1 pitada de sal
Recheio
150 g de requeijão moreno (de Pirinópolis) ralado
150 g de abóbora cozida e amassada
50 g de castanha de baru torrada e finamente picada
1 pitada de sal
Manteiga
5 colheres (sopa) de manteiga
3 colheres (sopa) de alfavaca picada
3 colheres (sopa) de castanha de baru torrada e picada
A massa: bata no liquidificador os ovos com a polpa de baru até obter uma mistura bem lisa. Passe para uma tigela e junte a farinha e o sal. Trabalhe a massa com as mãos até conseguir uma bola bem firme, flexível e homogênea. Se tiver um bom processador de alimento, bata primeiro a polpa com os ovos e junte a farinha com o sal. Bata até formar a bola. Enrole em filme plástico e deixe repousar na geladeira por 1 hora.
O recheio: misture todos os ingredientes e deixe na geladeira por 1 hora.
Abrindo e recheando: cilindre a massa na máquina de macarrão, diminuindo a espessura gradativamente até chegar no grau 4. Coloque a massa sobre superfície enfarinhada, marque-a com o cortador de ravioli no formato desejado. Coloque bolinhas de recheio no meio da massa, pincele água onde será colado e apoie outra massa por cima. Corte, pressionando bem e deixe os ravioli sobre pano enfarinhado enquanto termina toda a massa (os retalhos são juntados e cilindrados novamente). Cozinhe em água salgada (2 litros de água e 1 colher (sopa) de sal) fervente, em 3 ou 4 porções. Deixe cozinhar cada porção por 3 minutos. Retire os ravioli com escumadeira, passe para uma travessa e mantenha sobre uma panela com água fervente, para que não esfriem.
Manteiga: aqueça a manteiga em fogo baixo e vá tirando devagar a espuma que se forma até resultar numa gordura bem límpida. Junte, então, as castanhas e a alfavaca e cozinhe por 20 segundos. Tire do fogo imediatamente.
Montagem: distribua os ravioli nos pratos, cubra com um pouco da manteiga e sirva com folhinhas de alfavaca.
Rende: 5 porções
Para saber mais sobre o baru, acesse os trabalhos
Avaliação cinética de comportamento de componentes do baru (Dipteryx alata Vog.) para estudo da vida de prateleira da polpa do fruto, de Aline Luiz de Mendonça
O extrativismo de baru (Dipteryx alata Vog.) em Pirenópolis (GO) e sua sustentabilidade, de Denise Lúcia Mateus Gomes Nepomuceno
Baru, biologia e uso. Documento da Embrapa.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Tordesilhas norteado

Mara Salles e seu sócio no Tordesilhas, Ivo Ribeiro, acabaram de voltar do Norte. Junto com o chef Leonardo Botto, do restaurante La Frontera (R. Coronel José Eusébio, 105, Higienópolis, 3159-1197), a convite do Instituto Socioambiental, foram conhecer São Gabriel das Cachoeiras, onde navegar é preciso. À cidade, que no mapa tem formato da cabeça de um cachoço, na beira do alto rio Negro, só se chega por água ou via céu. Mara me convidou para ir também, mas tinha a viagem para Pirenópolis, e eu fiquei na vontade. Um dia, quero ir. Pelo menos, os chefs voltaram com a mala cheia e ontem, com outros sortudos (Carlos Alberto Dória e Pedro Martinelli também estavam lá), Marcos e eu tivemos o privilégio de provar algumas das criações a partir dos ingredientes da bagagem. Tudo temperado com pimenta defumada dos Baniwa e entremeado de vistosos bijus. O cardápio foi só para apresentação dos ingredientes e preparos para os amigos, uma gentileza dos chefes, mas duvido que depois desta viagem o cardápio do Tordesilhas estará livre dos pitacos do norte. Não será de se espantar, portanto, se a gente der de cara com um tucupizinho preto aqui ou uma formiguinha saúva acolá temperando as maravilhas da dona Mara. Por enquanto, fique com as fotos dos pratos que estavam todos divinos, de causar comoção e orgulho pela nossa comida que não conhecemos.
Mara Salles servindo a Mujeca de surubim (uma sopa de peixe engrossada com biju, bem apimentada)
Os bijus são feitos com uma mistura de massa de mandioca fresca e pubada. Sequinhos, enormes.
O chibé é uma mistura de água com farinha d´água. Mas Mara temperou com coentro, chicória-do-pará, cebolinha e um sal mínimo de um camarãozinho seco. A farinha é a de Uarini (ovinha). Com este, eu viraria uma papa-chibé.

Na salada com acelga, agrião e laranja, amanteigadas e cremosas fatias de tucumã (já falei do tucumã aqui).

Olhete aos tucupis, um "ceviche" amazonense de sabor indescritível.
Filhote (o peixe) com molho de tucupi e formigas saúvas que temperam como laranja, capim-santo e gengibre. Com purê de banana purinho. Só comendo pra saber como estava bom isto.

E, pra fechar com alegria, duas bolas de poesia. Sorvete de açaí e de tapioca em tapete de jambu fresco com gominhas de tapioca.

A pimenta Baniwa


Carlos Alberto (Beto) Ricardo, do ISA, Carlos Alberto Dório e Pedro Martinelli.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Catolé



Catolé é um nome comum, que até ir a Pirinópolis desconhecia. Comum para alguns tipos de palmeira, incluindo a gueroba ou guariroba, que dá o palmito mais famoso do Cerrado. Segundo me explicou o feirante, a diferença entre os dois se dá no sabor. Enquanto o palmito da gueroba é amargoso, amargo por ser, só amargo sem saber a nada, o catolé, não. É amargo, mas saboroso. De fato, achei bem gostoso, mas sou suspeita e também acho o mesmo da gueroba, que adoro. Só com muito treino para saber distinguir os dois com segurança. E isto ainda me falta.
Demorei para descobrir o nome científico da palmeira, pois o termo catolé ou catulé se aplica a vários tipos de palmito amargo. No afunilamento da pesquisa, achei duas espécies afins, Attalea geraensis, originária do Brasil e Attalea exigua, originário do Cerrado, ambos com descrições parecidas e muito de acordo com o tipo de broto que tinha em mãos. E os dois nomes dão como sinônimos populares os mesmos indaiá-do-campo, indaiá-do-cerrado, indaiá, insiá e coquinho-catolé. Mas o segundo, A. exigua, me pareceu mais apropriado, porque o encontrei num livro sobre cozinha regional que diz ser este originário do Cerrado, encontrado nos estados da Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Tocantins.

A palmeira que tem caule junto ao chão, e de julho a janeiro dá frutos marrons com ótima amêndoa para a extração de óleo parecido com o de babaçu. As folhas são firmes e duráveis, aproveitadas para fazer cobertura de casas ou para a produção de fibras para artesanato.

E o palmito é assim, sem aquela elegância retilínea do açaí, da pupunha, da juçara ou da palmeira real. E descascá-lo pode aliviar a culpa de quem não tem freqüentado a academia. Depois de meia hora, aos golpes, tentando desvendar um miolo cortável e que tivesse cara de palmito, a Eliana deixou a roupa que passava e veio me perguntar com quem eu estava lutando. Não foi fácil, mas despi à força o bitelo de 2 quilos e consegui salvar só 160 gramas do cerne amarelo, adocicado e amargo (provei cru - vem um docinho enganador anunciando um amargo cruel, que parece vir a danar com a glote). Deixei imerso em água enquanto fatiava, porque oxida facilmente. E dei uma escaldada em água salgada antes de botar no arroz - foi o uso que me ocorreu, para, assim, aproveitar também o pequi e as cebolinhas que trouxe da viagem. Ficou muito bom. Claro, pra quem gosta de guerobas, jurubebas e jilós.


Arroz com catolé, pequi, cebola branca do cerrado e cúrcuma
1 colher (sopa) de banha de porco
2 dentes de alho socado ou picado finamente
1 xícara de arroz cateto
1/2 colher (chá) de cúrcuma (açafrão-da-terra) em pó
1 colher (chá) de sal
160 g de palmito catolé picado e aferventado
3 caroços de pequi (crus ou em conserva)
10 cebolinhas brancas (chalotas) frescas - com parte da folha verde
3 xícaras de água fervente
2 colheres (sopa) de cebolinha picada - pode usar a cebolinha da chalota
Numa panela, coloque a banha e o alho. Leve ao fogo e deixe dourar. Junte o arroz e a cúrcuma e refogue, mexendo, por cerca de 1 minuto. Junte o sal e mexa. Adicione o catolé, o pequi e as cebolinhas. Por último, despeje a água fervente e não mexa. Abaixe o fogo no mínimo, tampe e deixe cozinhar até não restar mais água e o arroz ficar macio. Desligue o fogo, deixe a panela tampada por cerca de 10 minutos. Junte a cebolinha e sirva.
Rende
: 4 porções

terça-feira, 21 de julho de 2009

Pirinópolis, catolés e caramoelas


Excesso de bagagem: frutos de baru, chuchus pra plantar, biscoitos de queijo, doce de leite na lata, mané-pelado, marmelada de santa luzia, pequi em conserva, compota de cajuzinho do cerrado, frutas cristalizadas, castanhas de baru, queijo branco, requeijão moreno, geleia de cagaita, geleia de hibisco, cará-moela, cúrcuma, cebolinha branca, semente de quiabo, de alfavaca, feijão guandu, muda de cará-de-espinho e um pilão duplo e pesado. Fora as ovas de curimatã que ganhei da Adriana, de Natal, e caju-passa, presente da Irineide, de Recife. Que eu me lembre.
Com excesso de bagagem, cheguei ontem de Pirenópolis - GO, a terra do empadão e da pamonha, onde líderes de convívios brasileiros do Slow Food se reuniram para discutir assuntos como Arca do Gosto, Fortalezas e Terra Madre. Graças ao apoio do IMCA (Instituto Morro da Cutia). A escolha do lugar foi estratégica já que poderíamos ser recepcionados pelo Convívio local e ainda conhecer a Fortaleza do Baru, ali perto. Não deu tempo de fazer trilhas nem visitar cachoeiras, porque a programação de reuniões foi intensa, com discusões às vezes acaloradas. Mas no final o que fica é o calor do encontro de pessoas unidas por um ideal (aquela coisa do Slow Food - comida boa, limpa, justa). Apesar do aperto, quem não foi pra gandaia na rua do lazer no sábado à noite ainda conseguiu acordar cedo e pegar a feira-livre de domingo, com produtos locais, antes de subir no ônibus para a visita programada para 8 horas da matina.

Na feira: palmitos guerobas, leite cru, jurubebas, cará-moela, ovos caipiras

Na pousada: queijo com rapadura

Segundo a cozinheira Nadja, as almôndegas são chamadas por lá de armoncas. Estas, minis, com molho de goiaba, estavam muito boas.
Quando não se está discutindo rabos da reunião, o assunto preferido dessa turma, advinhe qual é. Comida, claro. Tem gente de tudo quanto é lugar do Brasil e o que mais me empolga são as diferenças regionais que aparecem a todo momento. Basta alguém pegar um limão que já aparece um repertório enorme de nomes. Na minha terra este limão se chama galego. Não, é limão-china. Que nada, lá onde moro é limão comum. Imagine, na minha cidade, é limão bergamota. Sem certo nem errado, assim vai. Aguarde filminho sobre isto.
No domingo fomos ainda conhecer a Associação de Desenvolvimento Comunitário do Caxambu, da Fortaleza do Baru, uma comunidade de agricultura famíliar que beneficia o baru e cultiva vários outros alimentos seguindo um modelo agroecológico. Fomos pra roça, andamos no mato e almoçamos frango caipira e outras delícias. Trouxe de lá sementes de feijões guandus de cores variadas, milhos crioulos, quiabos nativos, hibiscos vermelhos e rosados, raiz de cará de espinho etc. Mas também deixei em troca alguns feijões - levei minha caixinha de amostras e havia nela muitas variedades não existentes por ali.
Na Pousada Mandala nossos almoços e jantares foram preparados por dois cozinheiros talentosos do Convívio de Pirenópolis: a Nadja Nairas e o Sebastião Maria de Sá, que nos mimaram com angu de milho verde; paçoca de carne seca com baru; risoto goiano - com pequi, linguiça, guariroba e cúrcuma; doce de laranja da terra; caldinhos de feijão e de abóbora e pratos que estimulavam o repeteco. Mas o café da manhã e os lanchinhos não ficavam atrás - todos incrementados com ingredientes locais. Comida boa também comemos no Dom Francisco, restaurante do Francisco Ansiliero, líder do Convívio de Brasília.

Em Pirenópolis, a feira chamou minha atenção a quantidade de jurubeba que tem pra vender em várias bancas. E pelas garrafas de leite cru, pelo requeijão moreno, o frango caipira, os palmitos catolés e também os guerobas enormes. Bem, agora preciso dar conta daquela mesa de coisas.
Se quiser ver mais fotos, aqui estão:
No Restaurante Dom Francisco
Fotos da Fortaleza do Baru
Fotos da cidade de Pirinópolis

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Café-cricri e outras crias de Eldorado


Só ia voltar a escrever aqui depois que voltasse de Pirenópolis, para onde estou indo amanhã para uma outra reunião da Arca do Gosto, do Slow Food. Porque tinha trabalhos a adiantar e também porque estava com preguiça.
Mas não posso deixar de falar do monte de presentinhos que recebi da Cenia Salles e da Claudia Mattos, trazidos da cidade de Eldorado-SP, para onde eu deveria ter ido, na Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas, e não fui porque amarelei com a chuva forte que caiu aqui no sábado.
Como sou sortuda e tenho bons amigos, Eldorado veio até mim. Muda de cana, raízes de mandioca branca e cremosa, rizomas de bananas maranhão e pacová, maracujá do mato e taiá roxo para plantar (o nome taiá é, em alguns lugares, aplicado para os tubérculos de taioba; em outros, para o inhame ou taro, da mesma família das Aráceas, assim como o mangarito). Veio também canela brasileira, pau e mudinha, cacho de arroz pratão, espigas de milho crioulo amarelo e de palha roxa, mini chuchu antigo, maxuxinho, amostras de cuscuz de mandioca e de arroz (já falei deste cuscuz do Vale do Ribeira aqui) para comer com o café-cricri, que veio também em vagens aveludadas.

Pois é, café em vagem. O costume de se substituir grãos do verdadeiro Coffea arabica por substitutos mais rápidos e baratos não é de hoje. Fiquei intrigada com o que me contou a Claudia sobre o uso dos grãos pretos e torrados, chamados de café cricri ou café mucuna, no lugar da bebida clássica, entre os quilombolas do Vale do Ribeira, e fui pesquisar um pouco. Primeiro, achei vários artigos e teses a respeito que não acabam mais, principalmente se você for ao Google Acadêmico e procurar pelo nome científico (Mucuna pruriens, para a mucuna cinza e Stilozobium aterrimum para a mucuna preta).
Depois liguei para os meus pais perguntando se conheciam. Meu pai disse que depois da segunda guerra, quando era criança, era o que tinha para gente pobre beber. Não que ele não fosse pobre, mas não chegou a experimentar, julgava coisa ruim. Minha mãe contou com mais detalhes. Quando se mudou, ainda criança, para Lobato, no Paraná, era tudo mato e a família teve que abrir clareira para construir a casa com a própria madeira tirada à machadada. Na mudança apenas roupas, panelas e alguns sacos de farinha, polvilho, araruta, arroz, feijão, galinhas e sementes e manivas para plantar, esperar crescer e comer. O café era luxo que demorava cinco anos para produzir. E venda por perto não havia - o patrimônio era distante, não havia estradas e mesmo assim era muito caro. O jeito era fazer café de milho e fedegoso. Era tostar até escurecer e moer como o café. Até que a família ganhou sementes de cafezinho, café-mucuna ou café-feijão, a trepadeira que deu flores roxas lindas e vagens escuras e aveludadas que, em três meses estavam secas e prontas para colher. Era trabalho de criança colher o cafezinho. E depois também o trabalho quase divertido de moer. Antes era torrado por adulto no fogão de lenha por cerca de 25 minutos. O sabor era muito melhor que o café-de-milho que só enganava na cor. Não era lá tão bom quanto café verdadeiro, mas era agradável para se tomar com leite.

No trabalho
Blend de café com mucuna preta: análise sensorial por não especialistas publicado na Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais (Campina Grande, v.5, n.2, p.117-125, 2003), os autores Nayara Lia de Lima Aragão e outros dizem que entre as populações mais carentes do Brasil ainda é hábito torrar vários outros grãos para substituir o café e citam a algaroba, mangirioba, feijão guandu e mucuna preta como os grãos mais usados para este fim. Como a mucuna preta parece ser a opção mais barata e popular, fizeram uma degustação com 30 painelistas, em Campina Grande – PB, para avaliar o blend de café com mucuna em diferentes proporções. Ganhou a proporção de 10% com mucuna torrada com coloração mais escura. Com isto, sugerem a possibilidade de blends assumidos e rotulados, inibindo, assim, a prática comum de fraude para aumentar o volume do café e reduzir custos (com milho, palha do café, cevada etc).
A planta é originária do Sudeste da China e leste da Índia, mas hoje é cultivada em vários países. No Brasil, além do uso como café, é muito utilizada como forrageira para fixar nitrogênio da terra e ainda evitar o surgimento de ervas daninhas (veja vídeo no You Tube). Na África tem-se estimulado seu uso na alimentação humana por ser ótima e barata fonte de carboidratos e proteínas. O único problema é que os grãos apresentam fatores antinutricionais e altas concentrações de levodopa ou L-Dopa, substância tóxica que pode causar confusões mentais e outros efeitos colaterais. Mas isto pode ser resolvido eliminando a substância no preparo (deixam-se de molho as sementes em água corrente por 3 dias ou se as fervem por 60 minutos e depois joga a água fora, por exemplo - isto para o uso na panela). Agora, é justamente por causa desta substância, um precursor direto do neurotransmissor dopamina, que os grãos se transformam num procurado remédio ayurvédico (Kapikachhu) para substituir a dopamina sintética nos casos de doença de Parkinson.
Voltando ao café, em outro trabalho publicado na mesma Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais (Campina Grande, v.2, n.2, p.1-8, 2000), os autores Marcelo Barbosa Muniz e outros avaliam o efeito do tempo na torrefação dos grãos de mucuna-preta e chegam à conclusão quanto ao tempo ideal para torrefação dos grãos de mucuna – 25 minutos - e não identificaram princípios tóxicos nos grãos torrados e preparados.
A quantidade que ganhei não deve me render uma xícara de infusão, mas vou plantar, colher, torrar, moer e experimentar.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Volto na semana que vem


Bordado de pendurar na parede. No museu de Antonio Prado-RS.
Volto na terça-feira com novidades de Pirenópolis.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

É hoje. Convite: Entre estantes e panelas - Ingredientes e Territórios

Palestra
Hoje, (dia 13 de julho) às 18:0 0

Tema: Entre estantes e panelas - Ingredientes e territórios
Palestrantes: Ana Luiza Trajano, Neide Rigo, Roberta Sudbrack, Roberto Smeraldi e Betty Kövesi
Local: Livraria Cultura Conjunto Nacional - Av. Paulista, 2073 - São Paulo/SP
Talvez estejamos diante de uma importante guinada na gastronomia: a exaustão das receitas e a horizontalização da última 'revolução técnica' (nanotecnologia e informatização das cozinhas) apontam para a possibilidade para se trabalhar com maior liberdade e criatividade os ingredientes. Ingredientes são entendidos como tudo aquilo que entra como matéria-prima num processo de produção. Qual a situação geral dos 'ingredientes brasileiros', isto é, aqueles que de alguma maneira possam ser identificados com a nacionalidade? Há, necessariamente, que distinguir a perspectiva histórica, cultural, da perspectiva presente. É desejável que os palestrantes abordem questões relativas a acesso, logística, legislação de proteção, processos que ameaçam sua existência, 'descobertas' recentes, etc, além de ações públicas (de ONGs, de órgãos públicos, de particulares) visando produzi-los, preservá-los, democratizar o consumo. Interessa também abordar as relações sociais que estão por trás da sua produção (sustentabilidade etc.). Além disso, vale compartilhar quais são os processos de investigação de um ingrediente, como chegam a novos usos, a aplicações que se diferem das já consagradas pelo receituário de 'domínio público'. A mediação será feira por Betty Kövesi.

* O evento acontercerá no Teatro Eva Herz.
** Haverá distribuição de senhas a partir das 17h em frente ao Teatro.

Fonte: Site da Livraria Cultura (veja lá outros eventos)

Amendoim-de-árvore


Pelas respostas à última charada, vejo que muita gente já conhecia estas castanhas que para mim, assim como para os outros leitores que arriscaram, ainda era um mistério. Acertaram em cheio: Elena sem H, Bruno Moreira-Leite, Isabel, Sanoliv e Sítio Curupira (inclusive já foram mostradas em seu blog).
De todos os ingredientes que falo aqui, muitos chegam até mim e não eu a eles. Às vezes em dose dupla. Explico: no feriado acabei não indo ao Vale do Ribeira, na troca de sementes dos quilombolas, mas precisei ir a Piracicaba visitar a sogra. E sempre que vamos para aqueles lados insisto com o Marcos para que, em vez de pegar a reta e rápida Bandeirantes, vá pela Rodovia Anhanguera, mais longa e cheia de curvas, por mero capricho. Sem reclamações, sou sempre atendida. Só para poder parar no Frango-Assado original, do lado direito da pista, na altura de Louveira. Não pelo frango nem pelos enormes pães de semolina, carros chefes do lugar, mas porque é lá onde se vendem umas mudas de frutas estranhas. Desta vez me chamaram a atenção a Physalis trepadeira, de variedade diferente dos camapus que tenho aqui nas calçadas, e um pé de amendoim de árvore, do qual nunca tinha ouvido falar. O rótulo pendurado no galho não dava grandes dicas, mas dizia que as sementes poderiam ser torradas e tinham gosto de amendoim. Ótimo, de comer.
Até aí, tudo bem, as coisas me chegam geralmente assim. Mas, para completar o aprendizado, em Piracicaba fomos almoçar por acaso na casa de um primo do Marcos e entre uma garfada e outra passei um olhar indiscreto pela cozinha procurando algo de meu interesse. Dei de cara com uma assadeira cheia de frutinhos secos abandonada num canto. A pergunta de sempre: O que é isto, é de comer? / A gente dá pro papagaio, tem um pé lá na chácara, mas tem gente que come, tem gosto de amendoim foi a resposta do primo. Quebrei uma das nozes apertando a casca firme e quebradiça e provei; tinha mesmo o sabor de amendoim cru, muito suave, gostoso.
A palavra amendoim e o sabor que senti me fizeram desconfiar se tratar da mesma planta que havíamos acabado de comprar. Fomos conferir no carro e o primo confirmou, era a própria. Fiquei tão empolgada que quis ir até a chácara ver a árvore com frutos. O primo tinha acabado de vir de lá, mas topou voltar, já que estávamos perto – cerca de 8 quilômetro dali. Chegando ao pomar, contemplei, colhi, fotografei, comi. E no caminho de volta, ainda desviamos para ver mais uma carreira de árvores com frutos na calçada de outra chácara. Pronto, estava satisfeita. Agora era chegar aqui e saber mais.


O pezinho que comprei na loja do Frango Assado

O exemplar piracicabano e o primo Claudio coletando os frutos abertos no chão

O fruto que colhemos lá. Uma cápsula que, quando madura, se abre, expondo as sementes envoltas em paina (é parente da paineira)

As sementes comestíveis envoltas na paina
Descobri que a Bombacopsis glabra Pasq. é parente da paineira, e é também conhecida como castanha-do-maranhão, cacau-do-maranhão, mamorana, cacau-selvagem ou amendoim-de-árvore. A família Bombacaceae, à qual pertence, está distribuída pelas regiões tropicais da América, África, sudeste asiático e noroeste australiano. No Brasil, o amendoim-de-árvore ocorre naturalmente entre Pernambuco e Rio de Janeiro, em formações secundárias de floresta pluvial atlântica e começo de encostas – no interior de matas primárias e densas, esta planta é raridade. Mas, em se plantando, em qualquer lugar dá. Em Santa Catarina é usada como cerca viva e em várias outras cidades é usada como árvore ornamental. Chega a atingir de 4 a 6 metros; tem tronco fino, com no máximo 40 centímetro de diâmetro e folhas compostas e digitadas com 5 a 7 folíolos. A floração começa a partir de setembro, sendo que a safra dos frutos vai de janeiro a fevereiro. Mas, um ou outro fruto pode ser encontrado durante o ano todo - prova disto é que colhemos estes frutos da foto agora, em pleno julho.
As cápsulas, quando maduras e secas, caem e se abrem espontaneamente liberando as castanhas cobertas com uma fina paina que se solta facilmente num esfregar entre mãos. Já o cerne comestível é protegido por uma camada mais firme me flexível, quase como uma castanha portuguesa - porém, depois de seca e torrada, pode ser quebrada com a pressão dos dedos. Podem ser comidas cruas ou torradas. Eu preferi cruas, com textura de amendoim ainda verde e sabor do mesmo. Tostadas no forno (deve-se cortar uma pontinha com a tesoura para que não estourem) ganham um sabor amendoado, mais suave que o amendoim.
A planta é
parente também de outra espécie muito parecida, a Pachira aquatica, que recebe os mesmos nomes populares, além de macuba, e também tem as sementes comestíveis. Porém seus frutos são de cor terrosa e as flores tem pontas vermelhas, diferente da Bombacopsis, que tem flores frutos verdes e flores brancas. Lembro ter visto muitas destas no Parque do Flamento, no Rio. Mas ainda não comi.
Li num artigo que o amendoim-de-árvore pode ser uma boa alternativa como fonte proteica e de ácidos graxos (como quase todas as sementes comestíveis), na África, onde a árvore cresce abundantemente. Não encontrei referências culinárias sobre pratos feito com ele, mas quando chegar a safra prossigo na pesquisa. Enquanto isto, se alguém souber de algum preparo com este ingrediente, qualquer informação é bem-vinda.
Lembrando: é hoje lá na Livraria Cultura, às 18 horas. Apareça!